(Mia Couto)
(Episódio Nº 14)
E todas as manhãs, os pescadores
esperavam na muralha, enquanto ele desembrulhava o mesmo velhíssimo pacote de
cigarro e abria um saco cheio de oferendas.
Eu me incluía nos caçadores de peixe. Aguardava
na longa fila enquanto, lá por cima, estridentavam as gaivotas. Chegada a minha
vez eu ficava tomado pelo medo e, num deslize, me afastava da fila.
Vezes sem conta eu voltava a alinhar
naquela demora. Mas sempre, chegado defronte do velho, tropeçava em mim e
abandonava o lugar.
Uma certa manhã, minha velha faleceu. Acabou-se
assim mesmo como viveu, sem sobressalto. Só se queixou:
-
O sol está a puxar-me demais, parece estou quente.
Aproximou-se do tanque e meteu os pulsos
na água como se ganhasse fresco. Encostou-se no tronco da grande árvore e
deixou os braços tombados no interior do tanque.
Sem o sabermos ela estava já morrendo,
aguando suas veias na eternidade da água. Tirámo-la como se apenas a fossemos
deitar. Em silêncio, como se aquele apagamento já tivesse ocorrido há muito
tempo. Como se simplesmente levássemos a mãe a passear, numa tarde como as
demais.
Minha velha teve morte instantânea? Ou não
será que toda a morte é instantânea?
No dia do funeral o tempo mudou. Sem
explicação o céu se invernou. Manhã cedo, o frio escorria pelas frestas: ninguém
iria pescar com tal tempo. Mas fui, mesmo assim. Minha alma condizia com o
mundo, ventos e nuvens.
Quem sabe o cais me desanublasse? Estava
eu naquele abandono, segurando a linha como se a minha alma estivesse espetada
no anzol submerso.
Foi quando escutei passos. Virei-me,
receoso. Entre as neblinas, me sustou o vulto de Agualberto Salvo-Erro. Fiquei,
linha desabençoada pingando triste nas águas
cinzentas. Será que ele me reconhecera, assim pelas costas?
Impossível, o velho estava completamente
cego. Então, ele fez ouvir a sua voz rouca:
- Maneira como assim? O peixe não vai picar...
Os Gregos
Há pessoas que gostam, ou pelo menos não se importam, de viver acima das
suas possibilidades, e embora não seja muito correcta a comparação, acontece o
mesmo com os países e, claro, o resultado são enormes dívidas públicas que um
dia alguém há-de pagar.
A Grécia é um país simpático que tem a
seu favor a sua tremenda herança cultural, património de todos nós, europeus,
ocidentais, com os seus filósofos, Platão, Aristóteles, Sócrates, Pitágoras, e
outros, que estabeleceram os fundamentos do pensamento racional na ética, política,
física, metafísica, lógica, psicologia, poesia, retórica, zoologia, biologia,
história natural e outras áreas do conhecimento humano, herança que se constituiu
em dívida que o mundo ocidental nunca lhes pagará.
Talvez por isso, os gregos de hoje,
alimentam alegremente uma dívida de 180%, números redondos, do seu Produto
Bruto, em finais de 2015, que alguns já dizem que é impagável, deixando-nos
a nós, com quase 130%, sozinhos, como se não tivéssemos também contribuído com
os “nossos” Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral e outros, que deram novos
mundos ao mundo.
Finalmente,
pagamos anualmente 8 mil milhões de euros de juros e ninguém fala, - perdão,
alguns falam, os do costume... - outra coisa que não seja satisfazer essas
nossas obrigações, embora a muita falta que faria todo esse dinheiro para
investimentos que melhorariam a nossa qualidade de vida.
Custa
muito, mas há que honrar os compromissos, o que não acontecerá com os gregos
porque, ao que parece, já não há como pagá-los, e Atenas entrará em
incumprimento lá para o Verão deste ano sendo forçada, então, a sair da Zona Euro... e o sol continuará a nascer todos os dias.
Por
outras palavras, a partir de certos montantes, as dívidas deixam de poder ser
pagas e a responsabilidade por estas situações não podem deixar de ser assacadas,
também, a quem emprestou o dinheiro até esses limites irresponsáveis.
Trump
já ameaçou e vai deixar a Europa sozinha dando ordens aos seus representantes, no
FMI, para se retirarem do programa grego.
Tem
que haver a coragem e honestidade de falar verdade e dizer, no momento certo,
que já não há mais espaço para dívida, por muito simpáticos que nos sejam os
nossos amigos gregos... porque agora vai ser pior...
Situações
destas já aconteceram por mais que uma vez no nosso país. Salazar, quando
chegou ao poder, perante o descalabro das contas públicas, aumentou os impostos
e diminuiu nas Despesas do Estado sem qualquer preocupação que não fosse
acertar as contas, a chamada preocupação contabilística.
A
Troyka, muito anos depois, fez quase o mesmo, porque, no fundo, estes acertos de
contas entre o Deve e o Haver são muito fáceis de fazer e não há como
fugir-lhes, a não ser que esse alguém se chame Sócrates e se pire à “papo-seco”
para Paris, estudar, escrever livros e deixe a “bola quente” a outros...
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