(Mia Couto)
Episódio Nº 12
Luarmina não queria distracção. O braço da angústia
puxava-a para o fundo. Melhor seria se fosse ela a falar:
- E você, Luarmina, lembra da sua família?
Mas ela não respondeu. Seu passado era como o futuro
em nossas línguas: começava apenas quando acabava, como lagarto que fosse
comido pela própria cauda.
O resto se dissolvia em cacimbos de tristeza.
- Enquanto tive
dedo dedilhei panos, vesti gente.
Mas esse serviço de confeitar vestes não
lhe enchia a vida. Ela queria ser outra coisa, queria crescer de si mais gente,
ter filhos, nascer-se em outras vidas. Mas sem essa dádiva, entrar em sua casa,
tão sem outros, não lhe dava vontade. Essa a razão porque vivia mais em varanda
do que dentro das paredes.
- É por causa disso que gosto de ouvir
histórias de família. Vá me conte mais coisas sobre sua casa, sua família.
- Não peça isso Luarmina.
- Sabe uma coisa, Zeca:
- Quem sabe, Zeca?
- E a senhora me deixa espreitar?
- Se contar, eu deixo.
Quinto Capítulo
“O mar tem um defeito: nunca seca. Quase
prefiro o pequenino lago da minha aldeia que é muito secável e a gente sente
por ele o mesmo que por criatura vivente, sempre em risco de terminar.”
(Dito
do avô Celestino)
Meu velho, depois do incidente, ficou com juízo de
mamba (cobra venenosa). Ideia
que se anichasse em sua cabeça, vivendo em lugar onde nem púnhamos vistas, para
além dos pântanos onde o chão já não consente nem caminho nem construção.
Eu o avistava só de quando em enquanto. Nesses
encontros meu coração sempre minguava. Miúdo que era lhe prestava receios, todo
eu salamaleques. Porque o velho sarabandeava tudo e todos: - sai, vai-te
embora, vai-te daqui .
Agualberto passava com andamento vagaroso.
No início, nos perguntávamos: estaria ele cego?
Impossível, o homem andava que tresandava.
Aqueles olhos vazos dele nos fitavam não no rosto, mas a alma. O bairro se
unanimava:
- Esse gajo tem mais enxofre
que o diabo.
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