Vem a propósito, agora que a Assembleia da República prepara legislação para disciplinar os fumadores quanto aos locais em que o podem fazer, recordar os meus primeiros cigarros, surripiados do maço de tabaco do meu pai e fumados às escondidas na casa de banho.
Tinha então os meus 12, 13 anos de idade e estávamos no princípio da década de 50, quando o Aeroporto de Lisboa ficava fora da cidade e as pessoas faziam passeios ao Domingo para verem de perto os aviões que aterravam e descolavam.
Nessa altura, fumar era um ato inofensivo mas reservado a adultos, sinal de status conferido às pessoas de maior idade, já com responsabilidades e por isso proibido aos jovens por questões de educação e respeito para com os mais velhos.
Recordo o meu tio que já casado e com filhos nunca fumou à frente do meu avô e era frequente pedir-se autorização para fumar quando o interlocutor era uma pessoa mais velha e de “respeito”.
Os cigarros acompanharam-me ao longo de quase toda a minha vida, estimularam-me os neurónios quando estudante, apoiaram-me na angústia durante a guerra em África e puseram termo a todas as minhas refeições, inalados voluptuosamente, com o inevitável cafezinho.
Quando se me tornou evidente que o fumo era um atentado à minha saúde e concretamente aos meus brônquios que não paravam de protestar, pensava no prazer do cigarro com o café, após a refeição, e dizia para comigo: - “nunca serei capaz de me privar desse prazer” e decidi, então, que esses seriam os únicos cigarros que fumaria, numa espécie de solução de compromisso entre mim e o vício.
E foi assim durante alguns anos até ao dia em que a vida pressionou mais e os cigarros voltaram a instalar-se, sem grande surpresa, de pleno direito, no meu dia a dia.
A conclusão era óbvia: se elegemos um inimigo não podemos negociar com ele e, sendo assim, tinha de partir para a guerra total ou então aceitar a derrota, entregar-me nas suas mãos e acartar com todas as consequências sob a minha inteira responsabilidade.
Matutei durante algum tempo sobre a decisão a tomar e enquanto continuava a fumar olhava para os cigarros que transformava em cinza já não como companheiros dos bons e maus momentos mas como o inimigo que abusivamente, contra a minha vontade, se tinha apoderado de mim.
Decidi, que na salvaguarda da minha saúde tinha de romper totalmente com o tabaco e para isso iria precisar de todas as minhas forças e o sofrimento, fosse ele qual fosse, seria o preço a pagar.
Sobre este aspecto nunca tive quaisquer dúvidas: nem pastilhas, adesivos ou outros aliados de ocasião… seria um combate a dois.
Em Dezembro de 1995, antes de embarcar numa viagem de avião, de férias para o Brasil, fumei o meu último cigarro e durante muitos dias e noites cerrei os dentes para conseguir manter a decisão e, pouco a pouco, eles foram sendo cada vez mais aquilo que são hoje: uma saudade.
Há muito tempo que as hostilidades terminaram e agora só há lugar às recordações e a uma maior compreensão para com todos os fumadores, especialmente aqueles que me incomodam com o seu fumo na mesa do café ao lado da minha.
Tempo houve em que eu fazia o mesmo sem me passar pela cabeça que não me assistia o direito para tal e agora os legisladores vão pôr em letra de lei onde se pode fumar tendo em vista os direitos dos não fumadores que eram, anos atrás, completamente desconhecidos.
Pessoalmente, sinto-me feliz por ter ganho, há 12 anos, a guerra contra o cigarro porque não só a minha qualidade de vida melhorou da noite para o dia como também não tenho que mergulhar nos guetos para onde, progressivamente, vão ser empurrados os fumadores por muito que isso doa ao Miguel Sousa Tavares e a outros assumidos adeptos do tabaco.
Recebi os cigarros na minha vida como uma herança da nossa cultura que o meu pai me transmitiu pelo seu exemplo mas tinha atrás dele toda a sociedade que ignorando as terríveis consequências para a saúde era cúmplice silenciosa preocupada apenas com questões menores de “respeito” e “educação” dos jovens para com os adultos o que, no fundo, era uma forma de inocentar o tabaco.
Hoje, os números terríveis das estatísticas sobre os resultados do tabaco na vida dos fumadores e o que eles escondem de sofrimento e morte estão por todo o lado e por isso todos os sinais que os governos possam dar nunca serão demais… da morte, ninguém sabe mas da saúde…que ninguém alegue ignorância e quem estiver esquecido faça uma visita aos hospitais para reavivar a memória.
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