quinta-feira, novembro 09, 2017

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A Rainha

 Santa






                                                  

                             Dedo no gatilho olho no verde da mata...

                                                                                                               




Era o nome de uma fazenda de café no norte de Angola que fazia fronteira com uma outra, de seu nome Santa Clara, com a diferença de que esta  estava em laboração, sempre estivera, porque o português, seu proprietário, soubera negociar com as autoridades indígenas, os "terroristas" a paz enquanto a outra, cujos donos não tiveram esse golpe de asa, tiveram de fugir para Luanda ou para a metrópole.

Por isso foi solicitada a intervenção da tropa para ser ela a proteger os trabalhadores da Rainha Santa de forma a que esta também pudesse regressar à atividade, por ordens do exército.

Coube-me a mim e ao meu Grupo de Combate fazer essa ocupação. Estávamos então nos primeiros meses de 1963 e eu tinha consciência de que iria ocupar "território inimigo" e que a nossa presença iria ser contestada pelas armas. Por isso, quando no outro dia, pela manhã, os soldados estavam já sentados no Unimog com os bidôes  para os irem encher de água, que passava ali perto, mandei apear toda a gente, excepto o motorista, Os restantes seguiram a pé, ao lado da viatura, com a arma em posição de fogo e com toda a concentração.

Parecia-me evidente que os "turras" iriam lá estar à nossa espera numa emboscada que a mim, tal como a eles, me parecia óbvia.

Frustaram-se os intentos e quem passou a ser emboscado foram eles e não nós porque em vez de todos juntinhos em cima da viatura, prontos para a "degola", saíu-lhes um Unimog fantasma apenas com o condutor, portador da morte que caminhava a seu lado sob a forma de soldados com o dedo no gatilho, preparados para vender cara a vida.

Houve mortes mas não da nossa parte. Eu sabia que não estávamos num arraial e que aquela fonte era um local perigoso para o qual não se podia ir de cântaro à cabeça despreocupadamente. Aqueles soldados ficaram -me a dever a suas vidas sem que isso resultasse da minha parte de uma grande habilidade guerreira. A água da ribeira, nesse dia, correu tinta de sangue mas não era português.

Já então, eu sabia que aquela era uma guerra injusta da nossa parte, eles estavam a defender a terra deles mas, não tendo tido a coragem para desertar para Paris, restava-me defender a minha vida e dos que estavam a meu cargo.

Regressei à minha pátria 27 meses depois com todos os homens que tinham partido comigo para a guerra. Guerra em que não matei ninguém, que foi mais cansativa do que perigosa e cujo culpado era um senhor muito respeitável que falhou como político porque não soube entender os ventos da história.

Tudo tinha sido inútil: mortos, feridos, incapacitados, sofrimento, viúvas e órfãos, lágrimas e penas, herança demasiado pesada para um senhor que foi considerado o "salvador da pátria" e que nunca, sequer, teve a ousadia de ir, uma vez que fosse, visitar o campo da batalha. O seu nome António de Oliveira Salazar!


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