Quando começa a vida
humana a ter "alma"
A ciência pode dizer que é quando começa a função cerebral, mas do ponto de vista religioso é quando Deus "infunde a alma" no corpo de um ser humano. Esta pergunta tem respostas diferentes em diferentes religiões e também teve respostas variadas ao longo da história da teologia cristã.
A primeira é responder à pergunta o que é a "alma", como defini-la. Para a teólogabrasileira católica Ivone Gebara, “a alma é a metáfora que tenta expressar o que há de mais profundo em nós. A metáfora que tenta revelar os nossos desejos mais bonitos, nossas esperanças pessoais. A alma é a forma poética de falar sobre nossos sonhos, nossas utopias, nossas aspirações, nossa privacidade.”
Nós também podemos responder que a "alma" é o que nos torna humanos. Podemos dizer também que a "alma" reside no cérebro. Nunca haverá como provar o momento exacto em que o homem "recebe a alma"… porque não existe “esse momento”.
Em várias religiões, e até mesmo no cristianismo, houve muitas opiniões diferentes e muitos debates que ainda estão em aberto havendo, assim, muitos pontos de vista possíveis, cristãos e religiosos, ao aborto.
Dentro da cultura ocidental cristã pensou-se por muito tempo que a alma entrava no corpo humano aos 40 dias de gestação. Pela importância simbólica que o número 40 tem na Bíblia mas os teólogos mais misóginos apontaram que, sendo mulheres, a alma não entraria até aos 80 dias.
Eram cálculos para além de ideológicos, completamente imprecisos, porque, como o sémen masculino era observável, o papel das mulheres na procriação foi considerado totalmente "passivo", um receptor do esperma masculino. A existência do ovo só foi cientificamente comprovado em 1827.
Agostinho de Hipona (século IV) e Tomás de Aqui no (século XIII), os dois teólogos mais influentes da história da teologia católica, falaram sem conhecimento científico, especulando. Agostinho disse: “De acordo com a lei cristã, o aborto não se considera crime no início, porque ainda não se pode dizer que tem uma alma viva num corpo que carece de sensação”. Thomas acreditava que a alma não era recebida no início, mas mais tarde. E foi ele que fixou o "infusão da alma" aos 40 dias, se fosse um menino e aos 80 se fosse uma menina. Para Tomás de Aqui no, a mulher era um "homem falido".
Quando no século XVII se começaram a usar microscópios, os teólogos, sempre misóginos, "provaram" que a alma estava no esperma. Os movimentos dos espermatozóides fazia-os lembrar pessoas pequenas e consideravam que esses “homenzitos” com alma se alimentavam do sangue menstrual da mãe. Depois, pensaram de alma só entrava no feto quando este já tinha forma humana ou quando a mãe sentia os seus movimentos. Eles também achavam que Deus infundia a alma no momento exacto do nascimento.
Os avanços da ciência levaram a que muitos teólogos cristãos à ideia de que não há "alma" enquanto o bebé não tiver formado o córtex cinzento de seu cérebro e não tiver a capacidade de ser independente, viável fora do útero sua mãe. Há teólogos que não se propõem a falar de "alma" até que não haja uma evidência biológica da "vida cerebral", como nós actualmente entendemos a morte como "morte cerebral", que ocorre quando o cérebro pára de funcionar, apesar de permanecer outros órgãos em funcionamento.
Somente há cerca de século e meio, a partir da proclamação do dogma da imaculada concepção de Maria, o Vaticano tem vindo a impor na Igreja Católica a ideia de que a alma existe desde o momento da fecundação ou fusão ovo/espermatozóide, a que se chama de "concepção", um termo que não é usado na ciência nem na ginecologia. Esta ideia foi adotada também por várias igrejas evangélicas. Em igrejas protestantes históricas – que têm como princípio fundamental a liberdade de consciência sobre a interpretação dogmática - são muito mais flexíveis as posições sobre o aborto.
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