quinta-feira, maio 01, 2008


Falando sobre Religiões…

Nasci e a religião caiu-me, literalmente, em cima. Na parede do quarto, em frente do berço, um crucifixo pendurado, na cabeceira da cama dos pais um rosário, em cima da mesa-de-cabeceira uma bíblia e quando, tempos mais tarde, a minha avó morreu disseram-me que tinha ido para o céu onde me esperava para me contar mais histórias.

Dir-se-ia que eu era uma criança católica, no entanto, não passava de uma criança filha de pais católicos da mesma forma que seria islamita se tivesse nascido de pais islamitas no Afeganistão e assim, para mim o islamismo era falso e o cristianismo verdadeiro e o contrário para o menino islamita.

A religião começa, pois, por ser uma herança cultural que os nossos pais nos transmitem ao nascer exactamente como fizeram com eles, com o apoio da estrutura social, maior ou menor, em função da sociedade de que fazemos parte.

E, como qualquer herança, quem a recebe toma-a como sua e assim, sem que pudéssemos ter tido uma palavra a dizer por sermos demasiado crianças, passamos a ter uma religião e a ser religiosos para o resto da vida com mais ou menos convicção ou mesmo sem convicção nenhuma e isto ao longo de gerações e gerações.

Entre nós, parece que a religião como legado tem vindo a perder valor pois, para além da crise de vocações de que a hierarquia da Igreja tanto se queixa, também o nível de conhecimento de aspectos básicos da religião católica anda muito por baixo.

Em 300 entrevistas efectuadas em Maio do ano passado na Universidade Lusófona a maioria dos entrevistados revelou um confrangedor desconhecimento sobre as datas em que se celebram os feriados religiosos da Páscoa, Corpo de Deus e Imaculada Conceição, quem é a Santíssima Trindade, qual é o primeiro Mandamento ou como se chama o Papa, e sobre outras religiões o panorama não é diferente.

A religião do Dalai Lama revelou-se um mistério, apenas 18% souberam responder mesmo quando o líder Tibetano tinha acabado de visitar o país, e às perguntas sobre o Islão, se era uma religião monoteísta e qual a sua principal cidade santa, a maioria nem tentou responder.

Talvez um pouco por tudo isto o mediático Frei Bento Domingues se sinta na necessidade de escrever artigos intitulados “A religião não vai morrer”.

Como português, também eu recebi como herança dos meus pais, de resto foi a única, a religião católica e todos os seus sacramentos de vinculação me foram ministrados: baptismo, comunhão simples, comunhão solene, crisma e a sagrada união matrimonial.

Durante a minha juventude, enquanto aluno dos jesuítas, rezei terços, confessei-me, comunguei fiz retiros espirituais e peregrinações a Fátima.

Debalde, ao longo dos anos a vida foi perdendo sentido e tornou-se um monte de contradições e equívocos à luz da religião, desta, ou de qualquer outra.

Incapaz de me tornar adepto incondicional do que quer que seja pela crença, para alem dos valores da liberdade e do respeito pela dignidade da pessoa humana em que acredito indiscutivelmente, fiquei entregue a mim mesmo e, surpreendentemente, sinto-me bem e morrerei em paz quando chegar o momento porque não terei que me interrogar sobre o que me esperará exactamente porque nada estará à minha espera.

Ninguém nem nenhuma leitura em especial foram decisivos naquilo que sou hoje: crente na vida, descrente em Deus.

Imagine-se um mundo sem religião com as torres gémeas, sem bombistas suicidas, sem ataques ao Metropolitano de Londres, sem cruzadas, caça às bruxas, divisão da Índia, guerras israelo palestinianas, massacres de sérvio/croatas/muçulmanos, perseguição de judeus enquanto “assassinos de Cristo”, “assassinatos por motivos de honra”, televangelistas de fato lustroso e cabelo armado a tosquiar o dinheiro de rebanhos ingénuos (“Deus quer que dê até doer”).

Imagine-se um mundo sem “talibãs” a fazerem explodir estátuas antigas, decapitações públicas de blasfemos, flagelação de mulheres por exibirem um centímetro de pele, imagine-se tudo isto e muito mais e facilmente se compreende porque, tendo nascido filho de pais católicos, não só deixei de o ser como também não sou crente em Deus.

Acrescentar, porque é justo e importante, que entendi a teoria evolucionista de Charles Darwim como a explicação racional para o desenvolvimento da vida ao cimo da terra, através dos fenómenos de mutação e selecção natural, teoria esta que hoje deixou de o ser por se ter constituído numa verdade científica obviamente comprovada.

“A vida é uma extraordinária oportunidade e eu que vou morrer considero-me bafejado pela sorte porque a maior parte das pessoas nunca vai morrer porque nunca vai chegar a nascer. As pessoas potenciais que poderiam ter estado aqui no meu lugar, mas que na verdade nunca verão a luz do dia, excedem em número os grãos de areia que existem no deserto do Sara. Seguramente que nesses fantasmas que nunca vão chegar a nascer incluem-se poetas maiores do que Keats e maiores cientistas do que Newton. Sabemos isto porque o conjunto de pessoas potenciais pelo nosso ADN é esmagadoramente superior ao conjunto de pessoas com existência efectiva. Não obstante esta ínfima probabilidade, sou eu, somos nós, que na nossa vulgaridade aqui estamos…

Como poderemos nós, então, os poucos privilegiados, que contra todas as probabilidades, ganhámos a lotaria do nascimento, atrever-nos a queixar-nos do nosso inevitável regresso a esse estado anterior do qual a vasta maioria nunca despertou?” (Richard Dawkins).

Continuaremos a falar deste assunto para que ele não seja mais tabu, especialmente para mim, precisamente a partir da obra de Richard Dawkins “A Desilusão de Deus” mas, antes de terminar, esta pergunta pertinente formulada por Douglas Adams:

“Não basta ver que um jardim é belo sem ter que acreditar que lá ao fundo também esconde fadas?”


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