sexta-feira, maio 16, 2008


HÁ VIDA DEPOIS DA MORTE?
( Richard Dawkins)



Mark Twain, considerado por William Faulkner, o primeiro escritor verdadeiramente americano, dizia:

«Não tenho medo da morte. Estive morto durante milhões e milhões de anos antes de nascer e não senti o mais pequeno incómodo por isso».

Richard Dawkins disse precisamente o mesmo mas de uma forma mais elaborada que aqui reproduzi no meu texto de 1de Maio sob o título “Falando sobre Religiões”, mas que vale a pena reescrevê-lo em parte novamente:

«A vida é uma extraordinária oportunidade e eu que vou morrer considero-me bafejado pela sorte porque a maior parte das pessoas nunca vai morrer porque nunca vai chegar a nascer.
…Como poderemos nós, então, os poucos privilegiados, que contra todas as probabilidades, ganhamos a lotaria do nascimento, atrever-mos a queixar-nos do nosso inevitável regresso a esse estado anterior do qual a vasta maioria nunca despertou?».

Há poucas semanas, para me poupar a um desagradável exame, submeti-me a uma anestesia geral e quando, deitado na marquesa, aguardava a injecção da anestesia, pensei que me ia sujeitar a uma simulação da morte.

Quando, pouco tempo depois acordei, fiquei a pensar que ter estado desligado da vida pouco mais de uma hora ou o resto da eternidade, teria sido precisamente o mesmo: o vazio total e, afinal, sem ter custado nada…

Contudo, as sondagens vão no sentido de que aproximadamente 95% das pessoas acreditam que vão sobreviver à própria morte.

Quase tenho vontade de dizer, por brincadeira, que os homens vivem durante tantos anos que se habituam a estar vivos e depois… não querem morrer.

Claro que a natureza dotou os animais e, naturalmente, o homem também, do instinto da sobrevivência, mas para quê estar vivo durante tantos anos?

O arquitecto Niemeyer vai fazer 100 anos e está ainda a trabalhar e o mesmo acontece com o nosso Manuel de Oliveira.

São exemplos relativamente aos quais me apetece dizer que deviam ficar cá para sempre mas a maioria esmagadora dos nossos velhos limitam-se a aguardar a morte sentados, por aí, nos bancos dos jardins, tristes, inúteis, abandonados como se não tivessem préstimo algum.

O meu vizinho do 5º esq. que lá vai suportando os seus noventa anos com a ajuda da bengala e tendo por companhia a solidão, as dores e os desgostos da vida desabafou comigo aqui há tempos:

«No dia em que morrer vai ser o mais feliz da minha vida…»

Mas a natureza sabe o que faz e não é por acaso que após a idade da procriação continuamos a poder viver o dobro dos anos. É que as nossas crianças não só precisam dos pais como, igualmente, precisam dos avós, mais disponíveis para os proteger e ensinar assegurando-lhes uma oportunidade para chegarem a adultos que, sem eles, provavelmente não teriam.

Mas querer estar vivo é uma coisa, continuar a viver depois de morrer é outra…

Bertrand Russel, no seu ensaio de 1925 «What I Believe» escrevia:

«Acredito que quando morrer vou apodrecer e nada do meu ego irá sobreviver. Não sou jovem e amo a vida mas desdenharia tremer de medo ante a perspectiva da aniquilação.
Apesar de tudo, a felicidade só é verdadeiramente felicidade porque tem que ter um fim do mesmo modo que o pensamento ou o amor não valem menos por não serem eternos.
Muitos foram aqueles que pisaram o cadafalso com orgulho; esse mesmo orgulho deveria, por certo, ensinar-nos a pensar, verdadeiramente, o lugar que o homem ocupa no mundo»

Para quem teme a morte, acreditar que tem uma alma imortal pode ser consolador – a menos, evidentemente, que esteja convencido que vai para o inferno ou para o purgatório.

As falsas crenças podem ser tão consoladoras como as verdadeiras, até ao momento do desengano. Se um médico mente ao doente dizendo-lhe que ele está curado o consolo é idêntico ao de outro homem a quem seja dito, com verdade, que ele está curado.

A mentira do médico só é eficaz até os sintomas se tornarem inequívocos mas um crente na vida depois da morte nunca poderá, em última análise, ser desenganado.

As pessoas religiosas que dizem acreditar na vida depois da morte se fossem realmente sinceras deveriam reagir como o abade Ampleforth quando o cardeal Basil Hume lhe disse que estava a morrer:

«Parabéns! Que bela notícia. Quem me dera ir com Vossa Eminência».

Este abade era um verdadeiro crente mas é exactamente porque esta história é tão rara e inesperada que prende a atenção e quase diverte.

Por que razão todos os cristãos e muçulmanos não dizem a mesma coisa ou algo parecido?

Quando um médico diz a uma mulher devota que não lhe restam senão alguns meses de vida por que razão não sorri ela, emocionada, como se tivesse ganho umas férias nas Seychelles?

Por que razão é que os amigos e familiares, crentes como ela, não a sobrecarregam de mensagens para os que já partiram?

«Dá saudades ao tio Alberto quando o vires…».

Por que não falam assim as pessoas religiosas na presença dos que estão à beira da morte?

Será que não acreditam em todas as coisas em que era presumível acreditarem?

Ou talvez acreditem mas têm medo do “processo” de morrer que pode ser doloroso e desagradável com a agravante de que, ao contrário de todos os outros animais, não podem ir ao veterinário pedir uma morte indolor.

E, neste caso, por que são as pessoas religiosas as mais ferozes opositores à eutanásia e ao suicídio medicamente assistido?

Não seria de esperar que as pessoas mais religiosas fossem menos inclinadas a agarrarem-se despudoradamente à vida seguindo o exemplo do abade Ampleforth?

A razão oficial é de que provocar a morte é sempre pecado mas por quê considerar isso pecado se se acredita sinceramente que, desse modo, está a acelerar uma ida para o céu?

Para quem acredita numa vida depois da morte morrer é apenas a transição de uma vida para outra vida e, sendo assim, se ela for dolorosa porquê prescindir da anestesia quando não se prescinde dela para tirar o apêndice?

Daqueles que vêm na morte não uma transição mas sim o fim é que se poderia, francamente, esperar resistência à eutanásia e ao suicídio medicamente assistido, no entanto, são esses que são a favor.

Uma enfermeira com longos anos de trabalho à frente de um lar de idosos pôde verificar que as pessoas religiosas eram as que mais medo tinham da morte.

Se este comportamento for comprovado estatisticamente poder-se-á perguntar, afinal, qual o poder da religião como reconforto na hora da morte?

No caso dos católicos será o medo do purgatório, uma espécie de Ellis Island (um dos principais pontos de entrada dos emigrante para os EUA) divino, uma antecâmara para onde vão as almas se os seus pecados não são suficientemente graves para as lançarem logo no inferno mas, por outro lado, precisam ainda de alguma reciclagem antes de poderem ser admitidas no céu.

Na Idade Média a Igreja dava indulgências a troco de dinheiro o que, na prática, significava menos dias de purgatório antes de entrar no céu.

A Igreja Católica desenvolveu muitos esquemas para arranjar dinheiro mas a venda das indulgências deverá figurar, seguramente, entre os maiores contos-do-vigário de toda a História.

Em 1903 o Papa Pio X ainda tinha uma tabela para calcular o número de dias de remissão do purgatório que cada membro da hierarquia tinha direito a conceder:

- 200 dias os cardeais;
- 100 “ “ arcebispos;
- 50 “ “ bispos;

E, desta maneira, controlando as auto-estradas de acesso a Deus, um Bispo na Idade Média poderia ficar milionário como aconteceu com o de Winchester que fundou em 1379 o New College.

Quem fosse muito rico garantia para sempre o futuro da sua alma até porque o pagamento poderia ser também em orações que podiam ser rezadas por terceiras pessoas a favor das almas dos ricos que, naturalmente, lhes pagavam para isso.

Mas o que é curioso e constitui a chave de todo este negócio é, realmente, o «purgatório» que, no caso de não existir e as almas irem todas directamente para o céu ou para o inferno, já não se justificavam as rezas porque, ou eram desnecessárias, na eventualidade das almas terem ido para o céu, ou as almas tinham ido para o inferno e já não tinham salvação dispensando as rezas por idêntica razão.

No mínimo, engenhoso…mas a vida, a nossa vida, é tão significativa, tão plena e maravilhosa que se basta a si própria e dispensa bem todas estas manigâncias.

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