sexta-feira, novembro 21, 2008


E se Suspendêssemos a Democracia?






Esta foi a frase “suicida” proferida pela Dr.ª Manuela Ferreira Leite, líder do PSD, bem reveladora que esta Sr.ª não nasceu talhada para a política em democracia, regime em que as pessoas têm a liberdade de dizerem aquilo que quiserem… até mesmo contra si próprias!

É evidente que nunca passou pela cabeça de Manuela Ferreira Leite suspender a democracia, coisa, de resto, impossível sem uma revolução e as pessoas estão mais preocupadas com o seu futuro imediato do que participar em revoluções… mas o que ficaremos sempre por saber é se ela estava ou não a expressar um desejo.

De resto, vieram logo dizer que ela estava a brincar e mais aquela coisa do contexto que serve sempre para dar o dito por não dito.

Ou seja, relativamente a Manuela F. Leite, o que fica por saber é se ela convive melhor, hoje, com a democracia dos partidos ou se, quando era jovem, com o regime de Salazar/Marcelo Caetano.

Pelo menos para restabelecer a ordem, durante um período de seis meses, na opinião de Manuela F. Leite, contextos à parte, regressaríamos ao o regime de Salazar/ Caetano que era melhor.

Depois da ordem restabelecida, findos os seis meses, regressaríamos à democracia até que, mais cedo ou mais tarde, voltaria a ser necessário empreender uma outra qualquer reforma e novamente lá iríamos para um regime de ditadura para a implementar sem necessidade de longas e repetitivas conversações e muito menos de greves perturbadoras do sossego e tranquilidade dos cidadãos.

Não deixa de ser uma concepção interessante, um pensamento original, qualquer coisa de inédito, um legado da Dr.ª Manuela F. Leite para os compêndios de filosofia política.

Uma espécie de regime político ao ritmo de Stop and Go, em português: Pára e Arranca, faltando explicar se parava com Salazar/Marcelo Caetano e arrancava com a Democracia ou vice-versa.

No entanto, para quem tenha uma experiência vivida do tempo da ditadura, o voltar atrás para restabelecer a ordem pode trazer muito más recordações e esta é só uma história, igual a tantas outras, do tempo Salazar/Marcelo Caetano:



“Perante a necessidade de fazer uma ocupação efectiva de todo o território das colónias, rebaptizadas em 1951 de Províncias Ultramarinas, numa tentativa de preservar um Portugal intercontinental, foi criado em 1906 a Escola Superior Colonial, que viria a ser integrada na Universidade Técnica de Lisboa, para a formação de altos quadros Administrativos.

O meu colega José Proença, no Ano Lectivo de 1958/59 matriculou-se no curso de Administração Ultramarina e uma vez este concluído, ao fim de três anos, continuou os seus estudos durante mais dois, nos Altos Estudos ou Curso Complementar, como então se chamava, para acesso à licenciatura o que fez apresentando uma Tese à qual foi atribuída uma nota de Muito Bom, 16 valores.

Depois de uma passagem breve pelas funções de Chefe de Posto no Quadro Administrativo de Moçambique, candidatou-se em Concurso Público, disputando com licenciados de outros cursos, direito, engenharia, etc. um lugar de responsabilidade na Junta Autónoma das Estradas em Moçambique e tendo ficado em 1º lugar, tomou posse e iniciou funções que despertaram inveja em muita gente pois era um lugar de prestígio que conferia direito a automóvel e motorista.

Era, ao tempo, Governador-Geral de Moçambique, Baltazar Rebelo de Sousa, pai do nosso conhecido Marcelo Rebelo de Sousa que, felizmente para o meu colega, muito embora sendo um homem da situação, era uma pessoa de carácter e respeitadora de princípios desde que, já se vê, não colidissem com os supremos interesses do Regime.

Entretanto, o Ministro do Ultramar, Joaquim Moreira da Silva Cunha, que tinha sido meu professor e também do José Proença, resolveu fazer uma visita oficial a Moçambique.

Silva Cunha não era apenas um homem da situação, leal a Salazar, ele era um pilar do regime, de uma fidelidade “canina” e ultrapassava por excesso, como qualquer bom chefe dos guardas do Templo, os cuidados e o rigor sobre tudo o que pudesse, mesmo que fosse apenas na sua cabeça, ameaçar ou comprometer os interesses, superiores ou inferiores, que para ele eram todos iguais, do regime que servia com toda a convicção não respeitando, para isso, nada nem ninguém.

Era hábito, quando os ministros visitavam as colónias que os funcionários responsáveis pelos vários Serviços nos Distritos, fossem convidados com as suas esposas para o jantar oficial que era o ponto alto da visita.

Felizmente, nessa noite, a mulher do meu colega estava adoentada e não acompanhou o marido ao jantar poupando-se, assim, à humilhação que lhe estava reservada.

Na cena de apresentação dos convidados ao Sr. Ministro que precedia o início da refeição, na chamada cerimónia do “beija mão”, quando o Ministro encara com o meu colega que entretanto se deslocara lentamente na bicha dos convidados, reconhece nele o seu ex-aluno e numa reacção colérica, intempestiva, perfeitamente histérica, dirige-se em altos berros para o Governador e pergunta-lhe:


- O que é que este homem está aqui a fazer? …Devia estar a ocupar funções no Quadro Administrativo… no mato…Tenho a secretária do meu gabinete cheia de relatórios a pedirem-me funcionários…Sr. Governador, tome providências…

Nesse dia, o meu colega passou a pior noite da sua vida sem saber sequer o que o dia de amanhã lhe reservava e creio que, ainda hoje, sofre as consequências desses terríveis momentos, ainda por cima numa situação de casado e com filhos menores.

Não houve providências, Rebelo de Sousa tinha o tino suficiente para não cometer o que seria uma autêntica atrocidade legal, mas depois desta história e voltando à Drª Manuela Ferreira Leite, fica a dúvida se a sua aversão às reformas em democracia passam por estes métodos… mas que eles despertam saudades em muita gente, disso não tenho dúvida.

O Rui Pedro, no seu Macroscópio, diz que Manuela F. Leite é uma mulher que “vive prisioneira dentro de si.”

Na verdade, quando uma pessoa com o seu grau de responsabilidade se refere “a uma hipotética e desejável” suspensão da democracia por 6 meses, tempo necessário para meter “tudo na ordem”, parece revelar que no seu subconsciente existe um panorama de grande indefinição política ou de ideias deficientemente assimiladas.

Não se pode ser democrata às 2ª, 4ª e 6ª e ditadora às 3ª, 5ª e Sábados e ao Domingo ir à missa.

Defina-se Srª Drª, neste momento é para os portugueses a alternativa democrática a José Sócrates mas, a continuar assim, sê-lo-à mesmo só no plano teórico da democracia.

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