sábado, dezembro 27, 2008




JORGE AMADO









Nascido a 10 de Agosto de 1912, no sul do Estado da Bahia, Jorge Amado, nasceu, como dizia sua mãe, “com estrela”; um homem afortunado. Seu pai queria que o filho fosse doutor, e ser doutor naqueles tempos era formar-se em Medicina, Engenharia ou Direito.

Jorge Amado, que desde os catorze anos participava em movimentos culturais e políticos, optou por Direito. Fez a vontade ao pai, mas não foi buscar o diploma e nunca exerceu advocacia. Em compensação, no ano da sua licenciatura, em 1935, já era um escritor conhecido, autor de quatro livros que fizeram sucesso entre o público e a crítica: “O País do Carnaval” com que se estreou aos dezoito anos, “Cacau”, “Suor e Jubiabá”. Em 1937, devido ao seu intenso envolvimento político, viu toda a edição do seu livro “Capitães da Areia” ser queimada em praça pública, o que o levou, em 1941, ao exílio na Argentina e no Uruguai.

Em 1945, Jorge Amado uniu-se a Zélia Gattai, companheira de toda a sua vida. Deputado Federal pelo Estado de São Paulo, fez parte da Assembleia Constituinte votando leis importantes, como a que ainda hoje garante a liberdade religiosa no país. Em 1947, o Partido Comunista foi ilegalizado e Jorge Amado perdeu os seus direitos políticos.

Voltou para o exílio, desta vez em França e na Checoslováquia, continuando a escrever e a trabalhar pela paz, agora na companhia de Pablo Neruda, seu velho amigo, de Pablo Picasso, de Luís Aragon, de Nicolas Guillen, só regressando ao Brasil em 1952. Em 1961 foi eleito para Academia Brasileira de Letras, vindo também a pertencer à Academia de Letras da Baía, à Academia de Ciências e Letras da República Democrática Alemã e à Academia de Ciências de Lisboa sendo membro correspondente destas duas últimas.

O seu livro Gabriela , Cravo e Canela, publicado em 1958, teve grande sucesso e os seus direitos cinematográficos foram vendidos para a Metro, o que possibilitou ao escritor a compra de uma casa em Salvador realizando, assim, o sonho de voltar a viver na sua terra.

Em 1963 muda-se com a sua família para a rua de Alagoinhas, onde continuou a escrever os seus livros.

Foi publicado em 95 idiomas, faleceu a 6 de Agosto de 2001.

Jorge Amado acumulou um sem número de Prémios Literários e foi-lhe atribuído o título de Doutor Honoris Causa pelas principais Universidades de países como: França, Itália e Israel.


Para mim, simplesmente, ele foi o melhor escritor de histórias impregnadas de um humanismo autêntico, inserido numa realidade social que ele tão bem conhecia, e eu sinto-me orgulhoso que elas tenham sido escritas por um compatriota porque, como dizia Fernando Pessoa, a minha língua é o meu país.

Em homenagem a Jorge Amado e como agradecimento pelos momentos de prazer que os seus livros me proporcionaram, reproduzirei neste blog, diariamente, a história da Tieta do Agreste.


ROMANCE


EPISÓDIO nº 1

Tieta do Agreste (I)

Pastora de Cabras - Ou A Volta da Filha Pródiga, Melodramático Folhetim em cinco sensacionais episódios e comovente epílogo: Emoção e Suspense!


Silêncio e solidão, o rio penetra mar adentro no oceano sem limites sob o céu despejado, o fim e o começo. Dunas imensas, límpidas montanhas de areia, a menina correndo igual a uma cabrita para o alto, no rosto a claridade do sol e o zunido do vento, os pés leves e descalços pondo distância entre ela e o homem forte, na pujança dos quarenta anos, a persegui-la.

Arfando, o homem sobe, o chapéu na mão para que não voe e se perca. Os sapatos enterram-se na areia; o reflexo do sol cega-lhe os olhos; agudo fio de navalha, o vento corta-lhe a pele; o suor escorre pelo corpo inteiro; o desejo e a raiva – quando te pegar, peste! Te arrombo e mato.

A menina volta-se e olha, mede a distância a separá-la do mascate, o medo e o desejo: se ele me pegar vai meter em mim, estremece apavorada; mas, se eu não esperar, ele desiste, ah!, isso não, não pode permitir mesmo que queira pois o tempo é chegado.

O homem também parou e fala, grita palavras que não alcançam a menina, perdidas na areia, levadas pelo vento. Ela não houve mas advinha e responde:

- Bééé! – Assim cantam as cabras que ela pastoreia.

O desafio bate na face, penetra nos ovos do mascate, ergue-lhe as forças, ele avança. Atenta, a menina espera.

Lá atrás o rio, na frente o oceano, os olhos adolescentes percorrem e dominam a paisagem desmedida. Naquele momento de espera, de ânsia e de angústia, a menina fixou na memória a deslumbrante da cama de noiva que lhe coube. Do outro lado da barra, a beleza da praia larga e rasa do Saco, em mar de águas mansas, no Estado de Sergipe, a ampla aldeia de pescadores, com armazém, capela e escola, um vilarejo.

O oposto dos cômoros monumentais onde ela se encontra, a invadirem as águas, o espaço do mar, contidos pelos vagalhões na fúria da guerra. Aqui o vento deposita diária colheita de areia, a mais alva, amais fina, escolhida a propósito para formar a praia singular de Mangue Seco, sem comparação com nenhuma outra, aqui onde a Baía nasce na convulsa conjunção do rio Real com o oceano.

Dúzia, dúzia e meia de casebres provisórios, mudando-se ao sabor do vento e da areia a invadi-los e soterrá-los, morada dos poucos pescadores a habitar desse lado da barra. Durante o dia, as mulheres pescam no mangue de caranguejos, os homens lançam as redes ao mar. Por vezes partem em pesca milagrosa, audazes a cruzar os vagalhões altos como as dunas nos únicos barcos capazes de enfrentá-los e prosseguir mar afora, ao encontro marcado com navios e escunas, em noites de breu, para o desembarque do contrabando.

O falso mascate vem na lancha a motor recolher as caixas de bebidas, de perfumes, os fardos de seda italiana de casimira e linho ingleses, outras especiarias, e fazer o módico pagamento – dinheiro para a farinha, o café, o açúcar, a cachaça, o fumo de rolo. De quando em quando, trás uma vadia na lancha e enquanto caixas e fardos são transportados dos casebres, vai despachá-la nas dunas, sobre as palhas dos coqueiros para aproveitar o tempo. Um garanhão, o mascate; os pescadores o apreciam. Em mais de uma ocasião ele não os acompanhou nos barcos, indiferente às vagas até o alto mar de navios e tubarões?

A menina deixa que o homem chegue perto – só então dispara areia acima e do alto novamente canta o exigente e assustado chamado das cabras, Bééé! De amor não conhece outra expressão, outra palavra, outro som.

Ainda naquele dia o ouvira da cabrita no primeiro cio quando o bode Inácio, pai do rebanho, se encaminhou para ela, balançando o cavanhaque e as trouxas. Depois o mascate apareceu e a menina aceitou o convite para o passeio de lancha, vinte minutos de rio, cinco de mar agitado e o esplendor de Mangue Seco. Como resistir, dizer obrigado mas não vou? Mentira: não a seduzira a corrida do rio, a travessia do pedaço de mar, nem sequer as dunas bem amadas desde a infância. A menina não tenta inocentar-se. Recusara convites anteriores, o mascate a tinha de olho há tempos. Desta vez agora ela disse vamos, sabendo ao que ia.

Quando, porém, sente a mão pesada segurar-lhe o braço o medo a invade inteira, da cabeça aos pés. Contem-se, no entanto não busca fugir.

O homem a derruba sobre as folhas dos coqueiros, suspende-lhe a saia, arranca-lhe a calçola, trapo sujo. De joelhos sobre ela, enterra o chapéu na areia para que não voe e se perca, abre a braguilha. A menina o deixa fazer e quer que ele o faça. Para ela soara o tempo, como para as cabritas a hora temida e desejada, a hora implacável do bode Inácio, o saco quase a arrastar por terra de tão grande. Sua hora chegara, já não lhe corria sangue entre as coxas todos os meses?

Nas dunas de Mangue Seco, Tieta, pastora de cabras, conheceu o gosto do homem, mistura de mar e suor, de areia e vento. Quando o mascate a arrombou, igual à cabrita horas atrás, ela berrou. De dor e de contentamento. (continua)
Praia de Mangue Seco

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