domingo, dezembro 28, 2008


Tieta do Agreste

EPISÓDIO No 2


EXÓRDIO OU INTRODUÇÃO ONDE O AUTOR, UM FINÒRIO, TENTA EXIMIR-SE DE TODA e QUALQUER RESPONSABILIDADE E TERMINA POR LANÇAR IMPRUDENTE DESAFIO À ARGÚCIA DO LEITOR COM SIBILINA PERGUNTA



Começo por avisar: não assumo qualquer responsabilidade pela exactidão dos factos, não ponho a mão no fogo, só um louco o faria. Não apenas por serem decorridos mais de dez anos mas sobretudo porque verdade cada um tem a sua, razão também, e no caso em apreço não enxergo perspectiva de meio-termo, de acordo entre as partes.

Enredo incoerente, confuso episódio, pleno de contradições e absurdos, conseguiu atravessar a distância a mediar entre a esquecida cidadezinha fronteiriça e a capital – os duzentos e setenta quilómetros de buracos no asfalto de segunda e os quarenta e oito de lama de primeira ou de poeira de primeiríssima, pó vermelho que se incrusta na pele e resiste aos sabonetes finos – indo ressoar na imprensa metropolitana.

Noticiário de começo entre galhofeiro e sensacionalista, logo após patriótico e discreto pois muito bem pago, dissolvendo-se rápido em anúncios, alguns de página inteira.

Certo semanário de tradições duvidosas – adjectivo mal empregado: por que duvidosas? – meteu-se a valente em editorial de primeira página, com vermelha manchete agressiva, ameaçou enviar repórter e fotógrafo àqueles confins para esclarecer a gravíssima denúncia, o monstruoso conluio, o perigo estarrecedor, etc. e tal.

Arrogância e indignação duraram apenas um número, a valentia o probo director a enfiou no rabo e esqueceu o escaldante tema.

Ainda jovem mas já veterano nas lides da imprensa, arrotando em surdina ideologia radical e princípios explosivos, visando porém fins benéficos, Leonel Vieira afogou protestos e ameaças em uísque escocês, na grata companhia do doutor Mirko Stefano e de algumas apetitosas moças, todas elas relações – públicas de muita animação e pouca vestimenta. Pouca, em termos: duas entre as mais bem modeladas exibiam longas túnicas transparentes e por baixo nada ou quase nada, túnicas essas, na opinião de entendidos, mais excitantes do que os curtos shortes ou os sumários biquínis. Amável tema de debate entre o doutor e o jornalista, única divergência a separá-los, no bar, à borda da piscina. No mais acordo total. Quanto a mim, se me permitem opinar, prefiro os longos transparentes lambidos por uma réstia de luz, revelando volumes e sombras, ai! Mas que importa a minha opinião?

A minha, a vossa, outra qualquer ante os potentes argumentos do doutor Stefano, argumentos em divisas, afirmam, se bem não haja absoluta certeza sobre a moeda original, dólares ou marcos ocidentais, as duas talvez. Tão irresistível dialéctica do simpático testa – de – ferro, levou o astuto cronista social Dorian Gray Júnior a proclamá-lo Mirkus, o Magnífico Doutor em desbunde de adulação.

Simples testa – de – ferro de ignotos patrões, conforme insinuou o semanário naquele exclusivo e atrevido editorial – atrevido, exclusivo e muito bem capitalizado; sendo, além do mais, uma garantia à esquerda pois que outro órgão da imprensa falada ou escrita ousou interpelar e ameaçar?

Posição clara e definida, prova a ser exibida, se necessário; ninguém sabe o que pode acontecer no dia de amanhã, recente, aí está, o exemplo de Portugal, quem poderia prever? Ao demais não hão-de ser assim um simples cheque, por mais polpudo, garrafas de escocês e o ventre em flor das permissivas relações – públicas que abalarão as convicções ideológicas, os sólidos princípios do intemerato e dúctil jornalista: Leonel Vieira possui fibra e carácter capazes de digerirem cheques, licores e beldades, conservando imutáveis princípios e ideologia.

Embolsa o cheque, escorna no uísque, baba cangotes e chibius, manera o jornal e ao mesmo tempo proclama – baixinho – os princípios, radicalíssimo. Um porreta.
(Continua)

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