terça-feira, fevereiro 17, 2009


A HOMOSSEXUALIDADE E O CASAMENTO



Meu Aspirante, quando cheguei à idade de ser menino só me sentia atraído por outros meninos, as meninas nunca me disseram nada, eram-me completamente indiferentes.

Recordo esta conversa como a abordagem mais importante sobre a homossexualidade que tive em toda a minha vida.

O cenário era a parada do R.I. 16 em Évora, o ano, 1961, o contexto, uma recruta para preparar os soldados para a guerra de Angola recentemente iniciada: “…para Angola, depressa e em força! … dissera Salazar.

Quem se abria assim comigo era um soldado do meu pelotão de recrutas que nesse dia, por estar magoado num pé, não participava nos exercícios de “ordem unida” que estava a ser ministrada pelos cabos milicianos.

Distraído, como sempre, tinha sido o último a saber e apenas porque um dos cabos resolveu prestar-me a informação, com algum pudor, sobre aquele soldado que estava à minha responsabilidade.

Os tempos eram outros e estas situações constituíam no fim da década de 50, princípios de sessenta, “autênticos bichos-de sete-cabeças”, tantos os tabus e ignorância sobre elas.

Sentado ao meu lado, continuava a desabafar com toda a naturalidade e sinceridade. As palavras saíam-lhe percebendo-se, através delas, uma identidade feminina, sem ar de queixas, aversão ou ressentimento para quem quer que fosse. Os pais tinham-no expulso de casa logo em muito jovem e de toda a família apenas uma irmã, mais sensível, ainda o visitava, provavelmente às escondidas do resto dos parentes.

Trabalhava num restaurante como ajudante de cozinheiro e as conversavas que gostava de ter eram sobre namorados e vestidos, referindo-se a si sempre no feminino:

- O meu Aspirante já viu o meu tormento a dormir numa camarata de homens e a tomar banho num balneário com eles todos nus?

As perguntas secaram-se todas na minha garganta, apenas soube o que ele me quis dizer, desabafos naturais da sua vida, estranha e bisonha para mim, ignorante aos 22 anos, desconhecedor das realidades de um mundo que era bem maior, complexo e intrigante do que o meu universo de heterossexuais.

Ainda debaixo do efeito surpresa fui ter com o Capitão, Comandante da Companhia, e pedi-lhe que diligenciasse para que aquele soldado fosse dado como livre da tropa ao abrigo dos Regulamentos mas a resposta que obtive foi seca, brutal, desumana:

- Qual quê, ele faz jeito aos soldados lá em Angola!

Fiquei a perceber que ele estava destinado a cumprir dois objectivos para com a pátria: “carne para canhão” e “carne para a carne”.

Não consegui ouvir ontem toda aquela discussão no Prós e Contras, a favor e contra o casamento entre homossexuais, sem ter presente aquela conversa já velha de quase 50 anos e que me abriu os olhos para uma verdade oculta e proscrita por uma sociedade cobarde, injusta e cínica. Aquele(a) jovem destapou para mim, em palavras simples, sinceras, a verdade oculta por vergonha e pudor dos homens “macho”, a maioria dos quais não teria força nem coragem para sobreviverem a tão profundas provações e contrariedades que muito se assemelham a um assassínio em vida, não daqueles que põem fim a tudo num repente, do género: “já está e acabou-se”, mas um assassínio lento que destrói a alma, a personalidade, a identidade, no mais injusto dos castigos em que alguém sofre uma vida inteira apenas por ser “assim”.

-Meu Aspirante, eu nasci assim, não tenho culpa!

Claro que não tinha culpa mas eu nem tive coragem, naquele momento, para o reconfortar com essas palavras:

- “Claro que não tiveste culpa”! …e teria sido tão simples dizer apenas isto.

De toda aquela argumentação do programa de ontem, retive especialmente, a parte final, a outra, dos homofóbicos envergonhados, uns mais que outros, apenas tomei nota que continuam a existir.

Os homossexuais que lutam pelo direito ao casamento civil em igualdade de condições com os heterossexuais fazem-no por uma questão simbólica.

A nossa sociedade já lhes concedeu as Uniões de Facto, que até poderão ser aperfeiçoadas para que não fique qualquer espécie de prejuízo comparativamente ao casamento civil.

- Que mais querem eles? A resposta deles é simples: queremos casar como vocês!

O casamento não lhes vai trazer nada mais para além da concretização do direito à igualdade e liberdade, mas é exactamente isso que eles procuram obter, o símbolo da concretização desse direito.

Fundamentalmente, o casamento, contrato ou não contrato, chamem-lhe o que quiserem, é a via escolhida pela maioria das pessoas para tentarem ser felizes na vida, por quê excluir dela os homossexuais?

À maioria, que são os heterossexuais, e que resolvem casar para serem felizes, que lhes afecta que os homossexuais vivam em comunhão de casa e de cama, em união de facto, ou casados?

Nada, positivamente, nada! Eles apenas não querem partilhar o símbolo, a instituição, o estatuto, não querem deixar entrar para o seu seio aquela minoria de pessoas que é diferente deles.

A diferença assusta-os, conviver com ela no seio da instituição casamento, aflige-os, perturba-os, quantos deles com problemas de sexualidade mal resolvidos…escondidos atrás do casamento!

Que será feito do(a) meu(minha) jovem recruta? – Pelo menos consegui que fosse devolvido, quando ela acabou, a um Quartel da sua terra.

Terá sobrevivido na guerra? – E na vida? – Se conseguiu, a uma e a outra, é um herói.

Para ti, o meu voto SIM, quando chegar o Referendo.

Entretanto, mais uma vez, aqueles que se intitulam de representantes de Deus na Terra, vão optar, como é seu timbre em questões deste tipo, pela condenação e sofrimento, na boa tradição judaico-cristã.

… e para isso qualquer pretexto lhes serve, um Referendo, por exemplo…

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