quinta-feira, abril 23, 2009


Tieta do Agreste

EPISÓDIO Nº 110



DA INESPERADA CONFISSÃO



Ao se dirigir à praia para tomar a canoa onde Jonas o espera para levá-lo de volta a Mangue Seco, nas mãos os embrulhos com o serrote novo e os quilos de pregos. Ricardo enxerga, sentado na espreguiçadeira, à sombra de um pé de tamarinho de tronco secular, silhueta muito sua conhecida. Apesar de calça de brim e da camisa esporte, reconhece Frei Timóteo e se recorda que os franciscanos de São Cristóvão possuem uma casa de veraneio no arraial do Saco.

Aproxima-se e lhe pede a bênção. O frade busca reconhecê-lo, onde viu aquele rosto adolescente? Ricardo explica: no seminário, meu pai. Não é seu aluno, ainda está terminando o seminário menor, o curso secundário, somente depois vai realmente começar; contudo, já chegou à fronteira da decisão. E chegou, não em tranquila caminhada mas em desesperada luta com o demónio.

- Meu pai, quando posso vir me confessar?

- Quando quiser, meu filho, quando sentir necessidade.

- Pode ser agora mesmo, meu pai?

- Se deseja, meu filho.

Ricardo fica parado, esperando, certamente Frei Timóteo vai vestir a sotaina e levá-lo ao confessionário na capela do arraial. Mas o frade aponta a outra espreguiçadeira:

- Descanse os embrulhos, sente aqui junto de mim, primeiro vamos conversar, depois eu lhe confesso. A tarde está bonita, vamos aproveitá-la, Deus a faz assim gloriosa para que os homens fiquem felizes. A felicidade dos homens é a maior preocupação de Deus. Você está aqui de férias?

- Estou, sim, meu pai. Quer dizer, aqui não, em Mangue Seco.

- Mangue Seco é o lugar mais belo do mundo. Não é verdade que Deus tenha descansado ao sétimo dia, como rezam as escrituras. – O frade riu,
como se achasse graça ao absurdo que vinha de pronunciar. – No sétimo dia o Padre Eterno estava inspirado, resolveu escrever um poema, fez Mangue Seco. Aliás, até hoje continua fazendo Mangue Seco, com a ajuda do vento, não é mesmo? Você está com sua família?

- Só com a minha tia mas Há três dias estou sozinho, ela foi a Agreste, eu sou de lá. Minha tia mora em São Paulo, veio passear, tinha ido embora há muito tempo. Eu nunca tinha visto ela antes.

Como o frade não comentasse, prossegue:

- A tia está fazendo uma casa em Mangue Seco, comprou terreno, é rica. Eu estou tomando conta da obra. Vim buscar material. O pedreiro, o carpinteiro, os serventes são daqui.

- O povo de Mangue Seco não exerce esses ofícios, quem nasce ali só sabe lidar com o mar e não é pouco. Raça forte, meu filho.

- Meu pai, um dia no seminário ouvi o senhor falando dos hipies para os reverendos padres, dizendo bem deles, dizendo que não são ruins.

- Não me lembro desse dia especialmente mas só digo bem dos hipies, são pássaros do jardim de Deus, todos eles, os místicos e os ateus.

- Os místicos e os ateus, com pode ser isso, meu pai? Não cabe em meu entendimento.

- Não é o rótulo que dá qualidade há bebida, meu filho. Para Deus o que conta é o homem e não o rótulo. Você está com vontade de deixar o seminário e seguir com os hipies?

- Não, meu pai. Não sei se tenho ou não vontade de ir com eles, nunca pensei isso. Mas, se tivesse, acho que não ia porque a minha mãe era capaz de morrer. Para ela os hipies são demónios, encontrou alguns em Aracajú, ficou horrorizada. Tem medo que meu irmão, se deparar com eles, vá atrás. Meu irmão menor, Peto. Ainda não fez treze anos e não
gosta de
estudar.

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