Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nº 159
EPISÓDIO Nº 159
DA INAUGURAÇÃO DA BOLSA DE IMÓVEIS EM MANGUE SECO, QUANDO O JOVEM SEMINARISTA RICARDO DESATA O NÓ GÓRDIO
Em Mangue Seco, o dia esplêndido de sol, a imensidão do mar, as dunas de areia, o infindo coqueiral, aparentemente a paz mais completa. Aparentemente, constataram pouco depois.
Acompanhados pelo Comandante – dona Laura ficara na Toca da Sogra com Gripa, nas arrumações – Ricardo e Tieta examinam os progressos da construção da pequena casa de veraneio. O Comandante sorri ante o espanto da tia e do sobrinho; não esperavam encontrar o telhado pronto e terminado.
Os operários não folgam na semana de Natal, fosse pela fama, fosse pelo dinheiro de Tieta, pelas duas coisas juntas e sobretudo pela assistência do Comandante que substituíra Ricardo no controle das obras e lhes quisera fazer uma surpresa. Enquanto Tieta coberta de unguentos e Ricardo de cuidados permaneciam em Agreste, ele oferecera aos trabalhadores a cervejada comemorativa da cumeeira e prometera em nome da proprietária um bom agrado se antes do Ano-Novo o telhado estivesse colocado. Agora falta apenas cimentar o chão, pintar as paredes, aplicar as portas e janelas e cercar o terreno onde, numa esquina, o providencial e habilidoso comandante Dário havia fincado na areia o tronco em que gravara o singular nome da casa de veraneio de Tieta. Dali se vê a Toca da Sogra e o Nosso Cantinho, a ampla e confortável vivenda de Modesto Pires. Distante da praia, nas margens do rio, avista-se a casa do doutor Caio Vilasboas, cercada de varandas, sem nome a designá-la.
Estão acertando com os mestres pedreiro e carpina o andamento dos trabalhos finais, quando aparece o engenheiro Pedro Palmeira. Vestido apenas com uma sunga de banho, queimado de sol, um filho escanchado no pescoço. Rapagão jovial, de prosa animada e riso fácil, bom companheiro de veraneio – disputa peladas na praia com os moleques e os pescadores jovens, carteia animado biriba, após a sesta com a esposa, o Comandante e dona Laura – naquela tarde parece preocupado. Sua primeira pergunta, mesmo antes de desejar bom dia, revela o motivo:
- Leram a crónica de Giovanni Guimarães? Que me dizem? – Pousa o menino no chão.
- Estamos ameaçados do pior – responde Comandante Dário.
- Não é mesmo? Hoje estive discutindo com seu Modesto Pires sobre isso. Ele pensa de diferente maneira da minha, vê um dinheirão a ganhar.
Escondendo um sorriso, Tieta olha para o Comandante a lembrar-lhe o começo da conversa na canoa. O rapaz, esgaravatando na areia com um talo de palha de coqueiro, prossegue:
- Foi desagradável. Evito conversar com seu Modesto sobre certos assuntos, nossos pontos de vista raramente coincidem. Mas hoje não pude evitar, foi chato – corre a retirar o filho que mergulha nas sobras da massa de reboco.
- Marta terminou chorando, seu Modesto, quando se exalta, não escolhe palavras. Para ele o dinheiro passa antes de tudo. Antes dos valores fundamentais que estão ameaçados pela poluição da Brastânio, a isso não dá importância.
Tieta sente-se corar. Não pensara ela também, antes de tudo, no dinheiro a ganhar? Não propusera ao Comandante a aquisição das terras à margem do rio onde a fábrica pretende se instalar para revendê-las com lucro? Fizera-se necessário o Comandante falar em paz, em beleza, no clima de sanatório, na felicidade do povo para que ela reflectisse e pensasse naqueles outros valores, maiores – fundamentais, no dizer do engenheiro barbudo e preocupado – o direito à saúde, à beleza, à paz, a um lugar bom para esperar a morte. Somente após Ricardo, seu menino de ouro e diamantes, proclamar, em nome deles dois, militante solidariedade à causa de Agreste, ela se decidira.
Seu Modesto interrompeu o veraneio, foi para Agreste, futucar no cartório as escrituras antigas para tirar a limpo a quem pertence o coqueiral.
- Não vai ser fácil descobrir. Uma vez, ele já andou querendo saber, quando comprou a parte que pertencia aos pescadores e pensava fazer um loteamento. Não conseguiu nada.
Em Mangue Seco, o dia esplêndido de sol, a imensidão do mar, as dunas de areia, o infindo coqueiral, aparentemente a paz mais completa. Aparentemente, constataram pouco depois.
Acompanhados pelo Comandante – dona Laura ficara na Toca da Sogra com Gripa, nas arrumações – Ricardo e Tieta examinam os progressos da construção da pequena casa de veraneio. O Comandante sorri ante o espanto da tia e do sobrinho; não esperavam encontrar o telhado pronto e terminado.
Os operários não folgam na semana de Natal, fosse pela fama, fosse pelo dinheiro de Tieta, pelas duas coisas juntas e sobretudo pela assistência do Comandante que substituíra Ricardo no controle das obras e lhes quisera fazer uma surpresa. Enquanto Tieta coberta de unguentos e Ricardo de cuidados permaneciam em Agreste, ele oferecera aos trabalhadores a cervejada comemorativa da cumeeira e prometera em nome da proprietária um bom agrado se antes do Ano-Novo o telhado estivesse colocado. Agora falta apenas cimentar o chão, pintar as paredes, aplicar as portas e janelas e cercar o terreno onde, numa esquina, o providencial e habilidoso comandante Dário havia fincado na areia o tronco em que gravara o singular nome da casa de veraneio de Tieta. Dali se vê a Toca da Sogra e o Nosso Cantinho, a ampla e confortável vivenda de Modesto Pires. Distante da praia, nas margens do rio, avista-se a casa do doutor Caio Vilasboas, cercada de varandas, sem nome a designá-la.
Estão acertando com os mestres pedreiro e carpina o andamento dos trabalhos finais, quando aparece o engenheiro Pedro Palmeira. Vestido apenas com uma sunga de banho, queimado de sol, um filho escanchado no pescoço. Rapagão jovial, de prosa animada e riso fácil, bom companheiro de veraneio – disputa peladas na praia com os moleques e os pescadores jovens, carteia animado biriba, após a sesta com a esposa, o Comandante e dona Laura – naquela tarde parece preocupado. Sua primeira pergunta, mesmo antes de desejar bom dia, revela o motivo:
- Leram a crónica de Giovanni Guimarães? Que me dizem? – Pousa o menino no chão.
- Estamos ameaçados do pior – responde Comandante Dário.
- Não é mesmo? Hoje estive discutindo com seu Modesto Pires sobre isso. Ele pensa de diferente maneira da minha, vê um dinheirão a ganhar.
Escondendo um sorriso, Tieta olha para o Comandante a lembrar-lhe o começo da conversa na canoa. O rapaz, esgaravatando na areia com um talo de palha de coqueiro, prossegue:
- Foi desagradável. Evito conversar com seu Modesto sobre certos assuntos, nossos pontos de vista raramente coincidem. Mas hoje não pude evitar, foi chato – corre a retirar o filho que mergulha nas sobras da massa de reboco.
- Marta terminou chorando, seu Modesto, quando se exalta, não escolhe palavras. Para ele o dinheiro passa antes de tudo. Antes dos valores fundamentais que estão ameaçados pela poluição da Brastânio, a isso não dá importância.
Tieta sente-se corar. Não pensara ela também, antes de tudo, no dinheiro a ganhar? Não propusera ao Comandante a aquisição das terras à margem do rio onde a fábrica pretende se instalar para revendê-las com lucro? Fizera-se necessário o Comandante falar em paz, em beleza, no clima de sanatório, na felicidade do povo para que ela reflectisse e pensasse naqueles outros valores, maiores – fundamentais, no dizer do engenheiro barbudo e preocupado – o direito à saúde, à beleza, à paz, a um lugar bom para esperar a morte. Somente após Ricardo, seu menino de ouro e diamantes, proclamar, em nome deles dois, militante solidariedade à causa de Agreste, ela se decidira.
Seu Modesto interrompeu o veraneio, foi para Agreste, futucar no cartório as escrituras antigas para tirar a limpo a quem pertence o coqueiral.
- Não vai ser fácil descobrir. Uma vez, ele já andou querendo saber, quando comprou a parte que pertencia aos pescadores e pensava fazer um loteamento. Não conseguiu nada.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home