terça-feira, julho 07, 2009


TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 176






DA PRESSA E DA AMBIÇÃO DE LUCRO, CAPÍTULO ONDE O COQUEIRAL SE VALORIZA




Em casa, apenas chegam, antes mesmo de trocarem de roupa, Tieta com urgência de tirar o vestido negro e quente, Perpétua fazendo uma pausa nas lamúrias, afirma:

- Agora temos de tratar da herança.

- Herança? – surpreende-se Tieta – O Velho não deixou nada.

- Não deixou? É o que você pensa. Todo o mês ele encafuava o dinheiro mandado por você, menos um pingo de nada para a feira e o aluguel. Nunca tirou um tostão para oferecer um presente a mim ou a Elisa, aos netos. Só fazia visita na hora do almoço ou do jantar, você não reparou? Deve ter muito dinheiro escondido.

Economia de mais de dez anos, uns doze, bolada respeitável. Para fazer o quê com tanto dinheiro? Perpétua se exalta ao contar, a voz desagradável, sibilante, ainda mais ríspida devido ao tema da conversa:

- Várias vezes perguntei a ele o que pensava fazer com esse dinheiro, me respondia que me fosse meter com a minha vida. Aconselhei a colocar o dinheiro na Caixa Económica ou a botar na mão de seu Modesto, rendendo juros. Não quis, não tinha confiança em ninguém, muito menos em banco. Penso que guardava sem necessidade – baixa a voz – de ruim que era. Deus me perdoe.

- Tenha piedade, Perpétua. Não faz ainda uma hora que acabamos de enterrar o Velho; antes de pensar nos defeitos dele, a gente deve lembrar-se que era nosso pai.

Perpétua recua, não deseja desagradar a Tieta:

- Você tem razão. Padre Mariano também me diz que me falta o dom da misericórdia. Meu dever é estar chorando, eu sei. Mas o que é que você quer? Quando penso naquilo que a gente curtiu na mão dele… Tu é quem bem sabe.

- Sei, sim. Mas assim mesmo sinto a morte dele, era meu pai, tinha defeitos e qualidades, boas qualidades. Era franco e quando queria uma coisa sabia brigar por obtê-la.

- Qualidades? Te esconjuro. Mas morreu acabou-se. Voltando ao que interessa, é preciso descobrir onde escondia o dinheiro. Talvez mãe Tonha saiba. Encontrando, a gente retira uma parte para as despesas feitas com a sentinela e o enterro, tu não estava tive de pagar tudo; outra para mandar dizer as missa de sétimo e de trinta dias. O resto se divide entre mãe Tonha e nós três. Metade para ela, metade para nós. Se alguém quiser outras missas que as pague de seu bolso.

No receio de escandalizar irmã rica, a tia generosa, anuncia soberba prova de amor filial:

- Eu mesma vou mandar rezar mais três: uma em meu nome, duas em nome de cada um dos meninos. E todos os anos, enquanto Deus me der vida, mandarei celebrar missa no dia da morte dele – Não resiste e acrescenta: - Creio que isso é melhor do que inventar qualidades que ele não tinha.

Tieta sente-se cansada e farta. Não adianta discutir, tempo perdido: nenhum argumento mudará a opinião de Perpétua. Retira-se:

- Vou trocar de roupa, tomar banho e dormir, estou exausta.

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