sexta-feira, julho 24, 2009


Tieta do Agreste

EPISÓDIO Nº 189






Ricardo esconde um sorriso ao ver o irmão a se coçar, irrequieto, a cara de desgosto, de infinita chateação. Detalha os bancos onde o mulherio reza. De pé, junto à parede, quase ao fundo, reconhece Zuleika Cinderela, algumas vezes a vira na rua, fazendo compras. Meia dúzia de raparigas a seu redor, nenhuma delas ousara sentar-se, grupo isolado, à parte. Foi então que Ricardo pousou a vista em Maria Imaculada e a reconheceu pois não era outra senão a tia Antonieta mocinha, como se por milagre da Senhora Sant’Ana houvesse voltado à adolescência quando, segundo ela mesmo lhe contara, ia encontrar-se com namorados na beira do rio, na sombra dos chorões, cabrita árdega.

A face aberta e franca, o fulgor dos olhos, o corpo esbelto mas não magro, os anéis dos cabelos negras serpentes, a boca de gula.

Olhando para ele e rindo, Ricardo ergue mais uma vez o turíbulo, acompanhando o gesto do padre Mariano a abençoar, dá um passo em frente querendo ir ao encontro da inesperada aparição para a dádiva do incenso.

Terminada a cerimónia todos tomam o caminho do ancoradouro onde Leôncio e Sabino já se encontram com os fogos e as achas de madeira, acesas.

Demora-se Ricardo na sacristia a retirar a sobrepeliz e a estola, ajudando Vavá Muriçoca e padre Mariano na limpeza e arrumação dos objectos de culto.

O padre estranha: dona Antonieta não comparecera ao Te Deum, por quê? Não estava sentindo bem, ainda no abalo da morte do pai, explica Ricardo.

- Pessoas distinta e generosa, pilar da Igreja – define o reverendo – leve para ela a bênção do Senhor que eu lhe envio.

Ao dar a mão a beijar ao seminarista, recorda-se:

- Nunca mais você veio se confessar, qual o motivo?

- Estive em Mangue Seco esse tempo todo, tenho me confessado no Arraial do Saco com um professor do seminário que está veraneando lá.

- Qual?

- Frei Timóteo.

- Está em boas mãos, nas mãos de um santo.

Na esquina da praça, embuçada na sombra da mangueira, Maria Imaculada espera. Ricardo não se surpreende, adivinhando-a próxima; ao cruzar a porta da sacristia a buscara com a vista. Ao se encontrarem frente a frente, fitam-se sorrindo, ela pergunta:

- Já está livre, bem?

- Vou ter de encontrar a Mãe e a prima no ancoradouro.

- Também vou para lá.

Estava vazia a praça, apenas por detrás da Igreja o vulto do padre, recolhendo-se à casa paroquial. Vavá Muriçoca partira apressado, antes de Ricardo, para não perder nem um único foguete. Andam uns passos em direcção às margens do rio. Apenas deixam a rua e penetram no escuro, ela lhe estende os braços. Ricardo a acolhe, prendem-se num beijo e nele permanecem. O gosto da tia mas outro perfume, cheiro agreste de mato. Ricardo toca-lhe o seio e o modela na mão: um dia será igual ao de Tieta, quando de todo se formar no correr do tempo; agora é fruta verde, urbe de cabrita. As bocas se separam num suspiro para novamente se fundirem, ela amolece nos braços de Ricardo.

- Tenho de ir.

- Demore mais um pinguinho só, bem.

Abrem-se em oferenda os lábios da menina:

- Me beije de novo, bem.

Bocas de fome e sede e o roçar da língua. A mão de Ricardo desce do botão do seio para as ancas recentes, altaneiras proas de barco em começo de navegação; ao chegar ao ponto de destino alcançarão a grandeza da bunda da tia.

Sucedem-se os foguetes, explodem morteiros e rojões.

- Como a gente faz para se ver?

- Amanhã te espero, bem, quando a luz apagar.

- Onde’

Ela ri, gaiata:

- Tu é aprendiz de padre não pode ir em casa de dona Zuleika. Vou esperar no mesmo lugar de hoje.

O beijo de despedida prolongado na saudade, sob o foguetório. Os dentes da menina marcam o lábio do seminarista, ai.

- Doeu, bem? Perdoe, Ricardo.

- Tu sabe meu nome?

- Sei, mas tu não sabe o meu – Ri novamente, vitoriosa.

- E como é que tu se chama?

- Maria Imaculada, bem.

- Feliz entrada de ano, Imaculada.

Parte correndo e ali a deixa na feliz entrada de Ano-Novo. Volta-se na curva do caminho a tempo
de vê-la coberta e iluminada pela chuva-de-prata. Até amanhã, meu bem.

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