terça-feira, julho 28, 2009


TIETA DO AGRESTE

EPISÓDIO Nº 192





ONDE COM A CHEGADA DO PROGRESSO, INSTALA – SE EM AGRESTE UM JORNAL MURAL; COM BREVE NOTÍCIA SOBRE A COMPOSIÇÃO E O COMPORTAMENTO DA TORCIDA NO CAMPEONATO DO BILHAR


Não conseguira Ascânio Trindade esfregar os doutos argumentos de Herr Professor Karl Bayer nas fuças do Comandante, fazendo-o engolir o insulto e oferecer reparação. Comboiando dona Laura, o exaltado marujo, após o enterro de Zé Esteves, saíra directamente do cemitério para a canoa. Rompe o ano com os pescadores de Mangue Seco, fazendo honra à saborosa moqueca de cação e arraia com a qual os moradores lhe retribuem a ceia de Natal. Delicados, rigorosos ritos de amizade, exigem estrita observância.

Enquanto aguarda ocasião de exibir entrevista e editoriais ao Comandante, Ascânio pensa na melhor maneira de levar o descaramento do cronista de A Tarde à população abalada com a leitura da Carta ao Poeta De Matos Barbosa, seguida de incontrolável disse–que–disse incentivado pela diabólica dona Carmosina e pelo vate Barbosinha elevado aos píncaros da glória. Nem a morte de Zé Esteves, com a pompa do enterro de primeira classe, conseguira diminuir a comoção provocada pelo dramático grito de alerta lançado por Giovanni Guimarães.

Aqueles que conheciam o jornalista pessoalmente, tendo privado com ele durante sua recordada visita a Agreste, tomavam de imediato partido a seu favor, saíam em missão de catequese, aliciando os demais, levantando a opinião pública contra a Brastânio. Ascânio quebra a cabeça: como colocar ao alcance da opinião os artigos e as declarações, as páginas esclarecedoras dos jornais, pondo a questão em pratos limpos, demonstrando o exagero da crónica, a inexistência de perigo maior, nada além da poluição normal, reduzindo ás suas verdadeiras proporções o problema da instalação da fábrica de titânio? - afinal que espécie de merda era esse tal de dióxido? Procurara informar-se na entrevista do professor Bayer, não conseguira. Tudo quanto sabe refere-se à importância do produto, indispensável ao desenvolvimento pátrio e isso basta. Precisa de levar a verdade a todos, convencê-los das vantagens da Brastânio, do que ela significa em termos de riqueza e de progresso para o Brasil e para Agreste. Como fazê-lo?

Sair mostrando os jornais pessoa por pessoa, impraticável. Deixá-los no Bar dos Açores, à disposição dos fregueses, não resolve, pois somente uma parte dos habitantes, intelectualmente ponderável, numericamente desprezível, os lerá, sem contar o perigo das gazetas sumirem ou serem rasgadas, destruídas.

Convocar o povo para lhes dar conhecimento do conteúdo da matéria publicada, em praça pública, numa espécie de leitura colectiva? Ideia tentadora mas complicada, difícil e perigosa. Em se tratando da Brastânio, os pobres – e os outros também, conforme experiência anterior – poderiam pensar em nova distribuição de brindes e não os recebendo, se decepcionarem, saindo o tiro pela culatra.

Por fim, recordando os tempos da faculdade, decide-se pelo jornal mural, exposto na Prefeitura. Pela primeira vez, em vários anos de sinecura (mal paga), o tesoureiro Lindolfo revela-se de real utilidade. Habilidoso proprietário de uma bateria de lápis de cor, colou os recortes e em vistosas letras, reproduziu as principais afirmações das entrevistas e dos editoriais, tudo encimado por um dístico indo de uma extremidade à outra da cartolina: A BRASTÂNIO É PROGRESSO E
RIQUEZA PARA AGRESTE!

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