domingo, agosto 09, 2009


TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 201





O engenheiro faz perguntas sobre a estrada. Desculpe-lhe a franqueza: aquele caminho de mulas não merece ser tratado sequer de estrada carroçável.

Trilha incerta, estreita picada repleta de lombadas, lamaçais, cacundas, valetas, crateras, em suma, uma escrotidão. Será necessário refazê-la por completo, modificando-lhe talvez o traçado, considerável mão-de-obra. Ascânio fornece alguns dados mas somente Jairo, proprietário da marinete, familiar da travessia, pode dar informação precisa, quando chegar de Esplanada.

Um sorriso zombeteiro desenha-se no rosto macambúzio de doutor Quarantini; na saída de Esplanada haviam deixado para trás o extraordinário veículo, tão obsoleto a ponto de ser ultrapassado pelas máquinas de marcha reduzida. Realmente, quem a leva e traz deve conhecer aquela buraqueira palmo a palmo. Ascânio recomenda-lhe prudência no trato com Jairo: o dono da marinete anda de mau humor desde que vira no jornal mural da Prefeitura o desenho dos magníficos ônibus previstos para o serviço de passageiros na nova estrada, essa que o engenheiro vai traçar e construir.

Falando nisso, solicita ao engenheiro um minuto do seu precioso tempo para admirar o jornal mural, antes de ir ver o trecho a asfaltar pelo qual, aliás, vem de passar pois fica na entrada da cidade. O barbudo, diante do desenho, concede outro sorriso, dúbio. Ascânio fica sem saber se devido à discutível vocação artística de Lindolfo ou ao entusiasmo, demonstrado no mural, pela Brastânio e seus efluentes progressistas. O visitante não comenta nem os desenhos nem as afirmações, em letras coloridas:

- Vamos indo. Quanto antes se comece, melhor.

Tem pressa. Exceptuando-se o doutor Mirko Stefano, pausado e calmo, todas as demais pessoas ligadas ao progresso não admitem perder tempo, estão sempre correndo, impacientes. Seguindo a careca para o jipe, Ascânio comprova que ele próprio deve mudar de ritmo. Distante da capital, habituara-se, nos últimos anos, ao lento compasso das horas de Agreste.

Jipe, caminhão e máquinas descem a rua, acompanhados pela massa crescente de basbaques. Na entrada da cidade param, despejando técnicos, capatazes e operários. Ascânio, os dois engenheiros e o fiscal da Companhia percorrem o trecho do caminho a ser pavimentado, a futura rua Antonieta Esteves Cantarelli.

- Esse pedacinho, só? – doutor Quarantini dirige-se aos capatazes:

- Não precisa armar as tendas, essa bobagem a gente factura hoje mesmo. Pensei que fosse coisa de vulto – fala para Ascânio: - Muito bem, meu caro, vamos meter mãos à obra. Quem sabe o amigo pode providenciar a gororoba para o pessoal e uns cascos de cerveja? E almoço para nós. Tem algum restaurante que preste? Pelo jeito… – Um desanimado gesto de resignação: - Qualquer coisa serve.

- Fique descansado, cuidarei disso. Que horas pensa voltar?

- No fim da tarde. Vamos fazer o possível para terminar antes do pôr-do-sol. Dá, não dá, Sante?

- Sante, possante mulato a mastigar uma ponta de charuto, confirma:

- Demais – Ordena aos homens: - Toca o bonde.

Cavaletes pintados de amarelo demarcam os limites onde o trânsito torna-se proibido, os curiosos são afastados, as grandes máquinas entram em acção.

Acotovelando-se por detrás dos cavaletes, sob o sol intenso, o povo acompanha atento o desenvolvimento do trabalho. A patrola levanta, espalha a terra e aplaina, sua pá enorme causa admiração. Ainda mais o rolo compressor, indo e vindo nos cem metros de caminho, sujeitando a terra solta, transformando-a em sólido leito de rua. Da rua Antonieta Esteves Cantarelli, curta mas asfaltada, primeira beneficiária do progresso trazido pela Brastânio.

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