terça-feira, agosto 18, 2009


TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 209





CAPÍTULO NO QUAL AGRESTE IMPORTA MÉTODOS JURÌDICOS DE REGIÕES PROGRESSISTAS E ONDE SE TEORIZA SOBRE DINHEIRO E PODER


Dos três causídicos o primeiro a chegar e o único a permanecer durante algum tempo na cidade, hóspede da pensão de dona Amorzinho – os demais iam e vinham, transitando entre Agreste e Esplanada – travando conhecimento com os habitantes, foi o doutor Marcolino Pitombo, velhinho simpático, bem apessoado e bem vestido, terno branco de linho, chapéu panamá legítimo, charuto Suerdieck, bengala de castão de ouro, vindo da legendária, rica e progressista região cacaueira.

Josafá Antunes o recebera no aeroporto de Aracajú e alugara um carro para transportá-lo da capital sergipana ao sertão de Agreste, apreciável delicadeza condenada a parcial fracasso pois o automóvel, moderno e de bela aparência – entre os táxis que faziam ponto diante do hotel, Josafá escolhera o mais aparatoso e refulgente – ficou a menos de metade do caminho de esplanada a Agreste com o motor fundido. Dando lugar a posterior e execrável de Aminthas: fundido e fudido, perpetrou ele, estaria o egrégio jurisconsulto, não ocorresse a providencial passagem da marinete de Jairo, ultimamente apelidada da Samaritana das Estradas pelo orgulhoso proprietário, na qual o advogado e o seu constituinte terminaram a viagem em marcha vagarosa porém segura.

Temeu Josafá se tomasse de cólera o ancião, arrepiando carreira, abandonando a causa. Doutor Marcolino, porém, demonstrando senso de humor, interessou-se vivamente pelo veículo de Jairo, pedindo sobre ele variadas informações, atento ao som do rádio russo, elogiando a personalidade do aparelho. Quando, finalmente, atingiram a entrada da cidade, aquele recente e curto porém magnífico trecho de asfalto, aplaudiu e comentou.

- Bravo, meu amigo! Os motores de hoje não valem nada – apertou a mão de Jairo: - Nem o motor das máquinas nem o carácter dos homens.

Alojado na pensão de dona Amorzinho, no melhor quarto, com direito ao urinol de louça da proprietária, concessão extrema, logo se tornou figura bem vista, devido à idade, aos modos polidos e ao donaire. Admiravam-lhe a procedência grapiúna, a fama, a cordialidade e a bengala, em cujo castão de ouro via-se esculpida a cabeça de uma serpente, símbolo provável da venenosa argúcia do eminente causídico, habilíssimo caixeiro, conforme consta. Ao vê-lo desfilar na rua da Frente a caminho do cartório, os cidadãos de agreste sentem uma ponta de orgulho; não há dúvida, a cidade moderniza-se e prospera, evidência constatada e comprovada pela presença do preclaro bacharel.

No cartório, assessorado pelo próprio tabelião, estudou livros, analisou os velhos documentos, usando inclusive uma lente, em busca de inexistentes rasuras. Fez questão de ir pessoalmente ver as terras em demanda, aproveitando o passeio de lancha para conhecer a praia de Mangue Seco de cuja beleza ouvira falar, menino em Aracajú. Ficou boquiaberto:

- é ainda mais fascinante do que me disseram. Nenhum pintor seria capaz de criar uma paisagem tão bela, só mesmo Deus.

Tendo concluído os estudos preliminares, manteve reservada conferência com Josafá, trancados no quarto da pensão:

- Quem são os outros pretendentes, os outros Antunes?

- Até agora, sei de dois. Uma professora, directora da Escola Ruy Barbosa.

- Casada? Viúva?

- Vitalina. Deve ter uns cinquenta anos ou mais. O outro é um rapaz novo, funcionário da Coletoria Estadual.

Um rapaz moço? E os pais?

- Mortos, os dois. O pai no Rio, a mãe aqui, deixaram ele pequeno. Foi criado por uma tia, irmã do pai. É Antunes pelo lado da mãe.

- É verdade o tabelião me falou. Você pensa entrar em composição com
eles?

Site Meter