quarta-feira, agosto 19, 2009


TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 210




- Se não houver outro jeito. Mas quem decide é o senhor, foi para me aconselhar que pedi que o doutor viesse.

- Sei disso mas preciso conhecer sua tendência, seu pensamento, para poder agir de conformidade.

- Doutor, me desfiz de umas plantações e de umas cabras, únicos bens que eu e o pai tínhamos aqui, para botar questão por essas terras e depois vender elas à fábrica e aplicar o lucro em roça de cacau. Se poder ganhar tudo, melhor. A gente deve ir para as cabeceiras, é isso que eu penso. Composição, acordo, só se ao tiver outro jeito.

- Outro jeito sempre há. Se fosse nas nossas baridas, a gente podia arrumar as coisas com facilidade, aqui é mais difícil. Existe apenas um cartório e o tabelião foi logo me dizendo, em tom de pilhéria mas na intenção de me fazer saber, que caxixe com ele não tem vez. Parece que também não se usa por aqui o argumento tiro e queda, de todos o mais seguro – Imita com os dedos o gesto de atirar: - Corta o mal pela raiz.

Josafá dá largas ao riso divertido:

- Nem por lá se usa mais, doutor, foi coisa de outro tempo. Aqui, nunca se usou.

- Que lástima! Como último recurso é de bom conselho – Um brilho de malícia nos olhos azuis, cansados, inocentes: - Um tabelião, metido nessas brenhas, que diabo pode saber sobre caxixe? – Ele mesmo responde: - Nada, três vezes nada. Será incorruptível?

- Doutor Franklin? Penso que sim, doutor. Por ele, sou capaz de botar a mão no fogo.

- E o filho? O barril de chope? Pergunto, se por acaso houver necessidade. É sempre bom saber.

- Do filho, não sei nada. Era menino quando me arranquei.

- Tiraremos a limpo, não faltará ocasião. Agora vou-lhe dar a minha opinião e explicar o meu plano. Mas antes me responda a outra pergunta: tem algum agrimensor por aqui?

- Em Agreste não sei de nenhum. Deve ter em Esplanada.

- Foi o que eu pensei. Ouça, então. Vamos, de hoje para amanhã, reunir toda a documentação que prova seus direitos. Já encomendei ao tabelião um traslado da escritura antiga e a autenticação dos documentos de seu pai e seus.

Vou voltar ao cartório para prometer ao gorducho um dinheirinho por fora. Assim o traslado anda depressa e a gente fica sabendo se o nosso jovem é ou não sensível a um agrado. Na idade dele e gordo como é, uma ajuda de custo sempre é bem vinda, para gastar com as raparigas. Tendo os documentos nos tocamos para Esplanada, você contrata o agrimensor, volta com ele para fazer a medição do coqueiral. Eu fico por lá assuntando o ambiente, conversando com os colegas, estudando as reacções do juiz, do promotor, sabe como é, formando minha opinião, vendo como o carro marcha. Quando você chegar com a medição, entro com o mandato de posse para a totalidade da área, já com os homens amaciados, trabalhados por mim.

- Para a totalidade? Porreta. Assim, quando esses Antunes de meia-pataca acordarem para a coisa, nós já estaremos de dono. Imagine, doutor, que eles nem constituíram advogados. Nem a velhota, nem o folgado que só pensa no campeonato de bilhar.

Doutor Marcolino contempla com os olhos azuis e sensatos o ardoroso litigante, contendo-lhe o entusiasmo:

- Se ainda não constituíram, vão constituir, não se iluda. Meta na cabeça que eles têm tanto direito quanto você, se são realmente descendentes de Manuel Bezerra Antunes. Vou requerer a posse de toda a área mas não acredito que a obtenhamos, se eles questionarem, e eles vão questionar. Mesmo que a gente obtenha uma primeira decisão favorável, como espero, devemos estar preparados para o caso mais que provável de ter de dividir a terra escriturada em nome de seu tetravô. O importante é saber exactamente com que parte devemos ficar.

-Não percebo.

- Vai perceber, mas antes me responda a outra pergunta: alguém por aqui sabe em que trecho do coqueiral a fábrica deve ser instalada?

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