terça-feira, agosto 25, 2009


TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 215






De natural enrustido, Fidélio não costuma falar a ninguém dos seus assuntos e agindo assim, sempre se dera bem. Sem cantar glórias, ia ganhando dos parceiros no bilhar, tendo chances de vencer o actual torneio, arrebatando de Astério o cobiçado título de Taco de Ouro. Sem jactar-se de dom-juan, comia as melhores; quando os outros descobriam a boazuda ele já a chamara a si, na discrição. Mas dessa vez não tinha jeito, recorreu a Aminthas, expôs o drama ao amigo. Procurou-o em casa, ouviu em silêncio parte de um tape de rock, não o deixou botar nova fita no gravador.

- Tenho um particular, um conselho a lhe pedir.

- Mande brasa.

- Outro dia você quis apostar com todo mundo, no bar, dizendo que garante que essa tal de fábrica nunca irá se estabelecer aqui. Tu está certo disso ou é mais uma brincadeira tua? Me diga a verdade.

- Por que você quer saber?

- Como tu sabe, tenho parte no coqueiral, pelo menos é o que o doutor Franklin garante e ele entende dessas coisas. Parece que estão botando questão na justiça: Josafá, dona Carlota, até Canuto Alves. Cada um puxando brasa para sua sardinha. Eu estou de fora mas recebo todos os dias propostas para vender minha parte. Seu Modesto não quer comprar, quer se associar comigo, já está de meia com dona Carlota. Os que querem comprar são seu Edmundo Ribeiro e doutor Caio, sendo que o último paga à vista.

- Hum! Hum! Você quer saber qual o melhor negócio? Explique cada um detalhadamente para eu…

- O que eu quero saber é se a merda dessa fábrica vai vir para Mangue Seco ou não. Tu disse que tinha certeza que não.

- Agora entendo. Você quer saber porque, se a fábrica vier, você tem possibilidade de ganhar um dinheiro grande vendendo sua posse directamente à Brastânio, correcto? – Com um gesto, impede que Fidélio o interrompa:

- Se não vem, você vende agora ao imbecil do doutor Caio e embolsa o dinheirinho, deixa para ele o pantanal. Correcto?

– Aminthas se sabe inteligente e gosta de demonstrá-lo.

- Não tudo ao contrário.

- Tudo ao contrário? Passei a não entender nada.

- Se eu tivesse certeza, mas certeza mesmo, que essa fábrica não virá nunca, como tu disse, aí podia vender a doutor Caio e esse dinheiro ia-me servir demais, tu nem sabe. Mas sem ter certeza, não vendo.

- E por quê Para esperar e vender melhor, como eu já disse?

- Não, não vendo de maneira nenhuma. Não quero que essa fábrica se instale aqui e esculhambe – Toma fôlego, não está habituado a falar muito: - Tu sabe que eu não nasci aqui, mas vim menino quando minha mãe voltou, viúva; o velho morreu por lá, coitado. – Ele só pensava em juntar algum dinheiro para regressar, não deu tempo. – Fez uma pausa, o pensamento no pai, calado como ele, desterrado no Rio:

- Daqui não quero sair, a não ser a passeio. Tenho vontade de ir ao Rio, a São Paulo, conhecer o Sul, se um dia tiver oportunidade. Ir e voltar, para isso ia me servir o dinheiro do doutor Caio. Mas prefiro perder qualquer fortuna para não deixar que filho-da-puta nenhum venha acabar com a praia de Mangue Seco. Quando me vejo lá, não sou um pobre empregadinho público, um
merda, me sinto um homem, dono do mundo.

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