quinta-feira, setembro 03, 2009


TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 223




DA CAMPANHA DE ASSINATURAS E DO PREJUIZO QUE ADVEM DA AUSÊNCIA DE TIETA



O memorial, redigido por dona Carmosina com a assistência crítica porém útil de Aminthas, recolhe certo número de assinaturas muito inferior contudo ao previsto e desejado pelos promotores da iniciativa. O Comandante Dário veio expressamente de Mangue Seco, para ajudar, saiu pela rua de lista em punho, pondo em jogo o prestígio e a simpatia que o cercam. Sua presença concorre para a adesão de pessoas antes indiferentes ao problema: ouviram falar do assunto sem lhe conceder maior importância. Escutam a explicação do conterrâneo ilustre, portador de dragonas, aceitam a caneta:

- Se o Comandante pede, não me furto.

Muitos, porém se furtam, desaparecem à sua aproximação. A par do significado polémico daquelas folhas de papel, somem das vistas do Comandante ou claramente recusam-se a assinar por se encontrarem convencidos das vantagens provenientes da instalação de uma grande fábrica nas vizinhanças da cidade, em terras do município. Os argumentos sobre os terríveis malefícios da poluição não os abalam nem os comovem. Esperam, não sabem ainda de que maneira, obter proveitos, um lucro qualquer com a vinda da Brastânio; a palavra progresso significa com certeza melhoria de vida.

A grande maioria, não obstante, é composta de indecisos que se retraem. As duas frases do memorial onde predominam palavras assustadoras – podridão, crime e morte – são lidas, relidas analisadas. Sucedem-se perguntas:

- Será mesmo assim? Nos jornais pregados na Prefeitura, a gente lê coisa muito diferente.

O Comandante argumenta, educado e paciente. Na Agência dos Correios dona Carmosina explode com facilidade quando encontra resistência, olhares de dúvida, interrogações:

- Quer viver na podridão, no chiqueiro pois que viva!

- Não é bem isso dona Carmosina, não se exalte. É que uns falam umas coisas, outros negam. A senhora é instruída, sabe o que diz. O Comandante, que correu mundo, diz a mesma coisa. Já Ascânio, que ninguém pode negar o ser devoto de Agreste e que não deveria querer um negócio tão ruim aqui, diz o contrário. Seu Modesto Pires também. Dona Carlota, professora dos meninos, essa nem se fala. Fica braba, igual à senhora.

Tanto o Comandante quanto dona Carmosina ouvem, da boca dos indecisos, a mesma repetida declaração:

- Sei não… Se pelo menos soubesse o que dona Antonieta acha disso tudo Ela é uma pessoa competente, o lado onde ela estiver deve ser o lado certo.

Não adianta dona garantir pela posição de Tieta, o comandante Dário afirmar-se conhecedor do pensamento da viúva paulista, tendo chegado de Mangue Seco onde ela é sua hóspede. Desejam ouvir dito por ela:

- Ela ainda não falou nada. Vou esperar o que ela vai dizer.

- Na agência dos Correios, os dois líderes principais da campanha dão um balanço no trabalho, contam as firmas recolhidas, o número lhes parece insuficiente prova da afirmativa contida no memorial: todo o povo de Agreste repudia a pretensão da nefanda indústria de dióxido de titânio. Sentem um começo de desânimo.

A ideia do memorial foi de dona Carmosina, partidária da acção. Bate-boca oral ou através dos murais, não conduz a nada. Aminthas, apesar do cepticismo habitual, aprovou e colaborou na redacção. O Comandante se encheu de entusiasmo, fez cálculos, tirou conclusões. Se recolhesse pelo menos mil assinaturas dentro dos nove mil habitantes do município, levando em conta as crianças e a imensa maioria de analfabetos, poder-se-ia dizer que a quase totalidade das pessoas capazes de reflectir sobre o problema tomara posição contra a Brastânio. Mas tinham colectado pouco mais de uma centena de nomes, após um trabalho estafante. Nomes importantes, poucos. Os comerciantes, na previsão de bons negócios com a instalação da fábrica, reservaram-se. Padre Mariano declarar-se neutro, as funções de pároco não lhe permitindo tomar partido em tão melindroso assunto.

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