domingo, setembro 27, 2009


TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 243



Virou manchete editorial num semanário de cavação, dirigido por conhecido picareta, o combativo Leonel Vieira. Referiu-se ele à importância da instalação da indústria de dióxido de titânio mas acentuou-lhe os inconvenientes, o alto teor de poluição, prometendo voltar ao assunto no próximo número com novas informações, provindas directamente de Agreste para onde estava seguindo um repórter do vibrante hebdomadário.

Não foi necessário enviar repórter aos confins do sertão, pois o Magnífico Doutor forneceu ao caro e simpático Leonel Vieira todas as informações necessárias sobre a indústria de dióxido de titânio, cheque, uísque e senhoritas. Acalmou-lhe inclusivé os melindres ideológicos pois, como foi antes referido, para gasto e renda em certos círculos, o impávido Vieira arrota esquerdismo bastante radical. Voltou ao assunto, conforme prometera, dando magnífico exemplo de honorabilidade jornalística aos seus (poucos) leitores.

De posse das novas informações teve a coragem cívica de confessar de público o engano cometido e repudiar o aleive levantado contra a Brastânio, cuja instalação no Estado iria contribuir para o progresso, a independência económica do Brasil e para a formação do proletariado baiano.

Os doutores Mirko Stefano e Rosalvo Lucena, o Magnífico Doutor e o Manangerial Doctor, estabelecem o balanço da situação. De São Paulo, em repetidas chamadas telefónicas, o director-presidente Ângelo Bardi informa sobre entraves surgidos em Brasília. As resistências provêm sobretudo das autoridades baianas, dispostas a ceder prazerosamente quando se fala em Agreste e Mangue Seco, lonjuras sem ressonância nem campeões, intransigentes quanto a Arembepe, próxima, visível, evidente, conflitual. Em defesa de Agreste, além de Giovani Guimarães, levantam-se apenas um poeta sem maior renome e meia dúzia de pescadores. Mas nas trincheiras de Arembepe tomam posição de combate artistas e escritores de projecção nacional, turistas e hipies e, pesando na balança das influências bem mais do que todo esse folclore, o prestígio das empresas proprietárias de vastos e valiosos loteamentos iniciados e à venda na extensa área: com a Brastânio a espalhar seus gases venenosos, os preços altíssimos dos terrenos descerão a zero.

Apesar de depositar confiança nos efeitos salutares do novo subsídio posto à disposição do Velho Parlamentar, o director-presidente louva, em telefonema urgente, a precaução tomada na última reunião, por proposta de Mirko. Não somente pelo desvio da atenção dos jornais e do público mas porque devem encarar a possibilidade de que não lhes reste finalmente outra opção para além de Mangue Seco.

Por isso mesmo recomenda o envio a Agreste de um advogado capaz, para estudar a situação das terras onde, caso não tenham mesmo jeito, erguerão as fábricas. Pelo visto, não se sabe a quem pertence o coqueiral, é tempo de tirar a limpo os detalhes desse assunto. Por via das dúvidas.

Doutor Mirko Stefano, familiar da vida baiana, lembra ao doutor Lucena o nome de um professor da faculdade de direito, não tanto pela cátedra ou pelo título mas pela sagacidade demonstrada em casos igualmente confusos e difíceis, doutor hélio Colombo. Catedrático, chefe de importante escritório de advocacia, aceitará deslocar-se para Agreste, viagem chata e cansativa? Rosalvo duvida, não vá ele enviar um ajudante qualquer. Mirko esclarece: por dinheiro, doutor Colombo vai até à puta que o pariu quanto mais a Agreste.

Colocará um carro à sua disposição e, para dar à viagem um certo encanto, uma secretária para acompanhá-lo e tomar notas, ou seja, tomar na bunda. Conversando assim informalmente os dois directores da Brastânio permitem-se certa liberdade de linguagem. O Magnífico Doutor chega ao extremo de deixar de lado as citações em várias línguas para referir, a propósito dos acontecimentos de Mangue Seco e da repercussão na imprensa, um provérbio nacional (ou português), a seu ver de perfeita aplicação: enquanto o pau canta no lombo do vizinho, folgam as nossas costas. Enquanto se ocupam de Mangue Seco esquecem a existência de Arembepe.

Numa coisa estão de acordo, eles, directores e o apavorado chefe de equipe – caso se vejam obrigados a implantar a indústria em Mangue Seco, antes de tudo será necessário limpara a área da imunda ralé que a ocupa, terminando de vez com aquele covil de contrabandistas, coito de bandidos. Uma operação pente fino da qual não escape nem um único marginal ou subversivo, a começar pelo tal padreca: a igreja está se transformando num viveiro de terroristas, seu Mirko! Rosalvo Lucena encerra o balanço:

- Sem esquecer os meninos. Aprígio me contou que os moleques eram os piores, assanhavam os tubarões. Ademais, estavam nus, cada galalau enorme, com tudo à mostra. Lambrosianos, assim me disse Aprígio.

O Magnífico Doutor sorriu seu bom sorriso, amável e descontraído:

- Não se preocupe meu caro Rosalvo. Se nos instalarmos em Mangue Seco, meninos e tubarões
vão durar pouco, sumirão nos efluentes…

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