sábado, outubro 10, 2009


TIETA DO AGESTE
EPISÓDIO Nº 256



- Tu demorou, bem. Pensei que não vinha mais. Logo hoje que estou com pressa.

- Com pressa?

Compromisso na pensão, obrigatório: dona Zuleika exige a presença de todas as raparigas numa festa que dá naquele dia, já deve ter começado. Ri, gaiata:

- Uma festa de família, bem. Quem mais devia lá estar era tu se não fosse usar batina. Não posso demorar: tem jeito não, bem.

Ricardo viera de Mangue Seco com a intenção de passar a noite inteira com Maria Imaculada. Uma noite completamente livre, sem necessidade de voltar correndo para junto de Tieta. Concebera um plano audaz: fazê-la saltar a janela da alcova, possui-la sem pressa na mesma cama larga, sobre o mesmo colchão fofo de barriguda onde se deita com a tia quando estão em Agreste. Descobrindo na extrema juventude do corpo, na ousadia do comportamento da pequena rapariga, traquinas, meiga e atrevida, aquela outra Tieta, pastora adolescente a correr cabras e homens nos outeiros e barrancos; ainda hoje recordada no burgo apesar do respeito devido à paulista rica, viúva do comendador do Papa, com prestígio e dinheiro a rodo. Petulante e ávida pastora a desafiar os preconceitos, a viver sua vida sem peias, sem rédeas, sem medo. Um dia surrada e expulsa.

Passara a semana sonhando com o corpo da menina, revendo nas exuberâncias actuais de Tieta as formas apenas nascentes de Maria Imaculada. Na intenção de regalar-se com ela até o raiar do dia, chegara de Mangue Seco e a encontra ocupada, tendo de voltar para a festa. Maldita festa!

Debaixo dos chorões, foi o tempo de se estender sobre Imaculada, sentir os seios recentes, as ancas redondas, a curva do ventre. Com o coração pesado, sem alegria, com raiva da festa, dos fregueses da pensão, com ciúmes daquele que a levará para a cama. Na noite do sábado de comemorações, os dois filhos de Perpétua, os dois sobrinhos de Tieta, conheceram o travo do ciúme, sentiram vontade de morder os punhos, de rebentar caras de homens e esbofetear mulheres, vontade de chorar.

Com sofreguidão e raiva, retendo lágrimas, assim a teve.

- Tu hoje está de mais, bem. Vai me matar de gozo.

Compõe a saia, foge a rir, propõe:

- Amanhã posso ficar a noite todinha, se tu quiser. Hoje mais não, bem.

Ricardo perde a cabeça, marca encontro para o dia seguinte à mesma hora, ao apagar das luzes, sob a mangueira. Maluquice pois prometera à tia regressar a Mangue Seco logo após a missa de Domingo. Tieta o espera indócil, dona actual de cada minuto e gesto seu. Sobram-lhe apenas as obrigações de seminarista, os compromissos com a igreja. Por sorte, o inventário ainda não está concluído. Falta muito pouco mas serve como desculpa.

Por dona Carmosina manda um bilhete. Não pode abandonar padre Mariano naquela emergência, o Cardeal marcara prazo. Mas, na segunda feira, sem falta, logo cedinho embarcará
de volta. Assinou: seu sobrinho que a adora e tem saudades, Cardo.

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