sexta-feira, outubro 09, 2009


TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 255



Acomoda-se Perpétua na vizinhança do dono do curtume que a acolhe com cortesia, levantando-se para lhe dar passagem. Senta-se Ricardo junto de Carol cujo olhar se mantém distante e indiferente. Modesto Pires observa com o rabo do olho: um seminarista não chega a ser um homem, não há perigo.

Muito pior é quando aparece algum forasteiro e, vendo a cadeira dando sopa na vizinhança da gloriosa mulata, logo a ocupa. Com a pior das intenções.

Apagam-se as luzes, a sessão começa com a projecção de um Cine jornal atrasado de meses. Ricardo sente a ponta de um sapato tocar-lhe o pé. O toque se repete, se afirma, encostam-se os sapatos. Depois as pernas. Macia compressão, calor suave; tudo a medo, movimentos mínimos, uma gostosura. Os olhos na tela, Carol movimenta-se na cadeira, imperceptivelmente: juntam-se os joelhos. Termina a projecção da Actualidade da Semana, acendem-se as luzes, Modesto Pires espicha o olho, Carol está encolhida na cadeira, ao lado da acompanhante, afastada o máximo do rapazola da batina. Inicia-se o filme e tudo recomeça, pouco a pouco, devagar, pé, perna, joelho. Em certo momento, pela metade do filme, Carol deixa cair o leque, abaixa-se e ao recolhê-lo, tímida e atrevida, acaricia a perna de Ricardo que se arrepia todo. Prazer sem nome, desejo sem tamanho, emocionante novidade, um quase nada, delicadeza e contenção, toques subtis, temerosos, suavíssimos. Com Cinira fora violento, quase feroz.

Apenas o filme termina, Carol parte, seguida pela empregada, sem olhar para ninguém, enquanto Modesto Pires acompanha Perpétua e Ricardo durante um quarteirão. Queixa-se de estar sozinho em Agreste, longe da família, cuidando do assunto do coqueiral que se arrasta, se eterniza. Ainda não chegaram a um acordo, devido às artimanhas do tal advogado de Josafá, uma raposa, e a maluquice desse imbecil do Fidélio que cedeu seus direitos logo a quem? Ao Comandante:

- Um absurdo, dona Perpétua: existem pessoas que são contra a instalação em nosso município de uma grande indústria que só nos trará riqueza.

O Comandante é um deles, nem parece homem viajado.

Perpétua eleva os olhos para o céu, em mudo apoio à revolta do ilustre cidadão mas Ricardo, imprudente, envolve-se na conversa:

- Riqueza? Vai trazer poluição, isso sim. Miséria.

Modesto Pires, ante tanto atrevimento, fecha a cara, engrossa a voz:

- Não se meta no que não é da sua competência, jovem.

Devido ao engenheiro e a Carol, motivos diversos mas ambos poderosos, Ricardo não tolera o dono do curtume:

- Se vierem poluir Mangue Seco, a gente toca eles de lá a pontapés – não conta que já o fizeram nem como; prometera guardar segredo.

- Oh! – Modesto Pires só falta cair de quatro.

Perpétua estranha o filho:

- Ricardo, que é isso? Respeite seu Modesto.

- A tia…

- Cale-se!

- Essa mocidade, dona Perpétua, anda de cabeça virada. Até os seminaristas, nunca pensei… - Modesto Pires vai curar os melindres ofendidos na cama de Carol.

Perpétua começa a passar um sabão em Ricardo mas ele lhe explica, rindo-se por dentro, que nada fez senão repetir palavras da Tia Antonieta, ainda mais revoltada contra a tal fábrica do que o próprio Comandante. Colocada entre duas riquezas, Perpétua resolve manter-se neutra mas recomenda ao filho não discutir com pessoas merecedoras de respeito e acatamento devido à idade e à posição social. Por falar na tia: Tieta não demonstrou em nenhum momento intenção de levá-lo para São Paulo? A tia? Já falou nisso, sim. Ricardo não esclarece quando ela o fez. Na cama, nua, desfalecendo em seus braços, a voz exangue: sou capaz de praticar uma loucura e te levar comigo para São Paulo, meu cabrito!

Apenas Perpétua apaga a luz da placa, Ricardo abre a janela da alcova,
pula para a rua. Junto à
mangueira, Maria Imaculada o espera:

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