quinta-feira, outubro 22, 2009


TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 265



DAS PRECIOSAS RARIDADES


Enquanto a esposa se desculpa por não servir almoço digno do convivo famoso, doutor Franklin semeia verde para colher maduro:

- Para o mestre, evidentemente, não existe problema difícil. Mas esse, do coqueiral, é uma embrulhada dos demónios, pois não? Se não fosse a intransigência de Fidélio, ou melhor dito, do Comandante… Já vislumbrou saída, mestre?

Doutor Hélio Colombo suspende a garfada:

- Minha cara senhora, se este banquete é o trivial da casa, como será um almoço de festa? Estou me regalando minha senhora.

De toda a viagem, aquela foi a boa lembrança conservada pelo advogado: a mesa de fartura e requinte. Os pitus, o peixe ensopado, a frigideira de guaiamus, o lombo de cabrito assado. Ao atingir a sobremesa o mau humor do grande homem se dissolvera; tornara-se amável e fitava o casal com simpatia (e o filho do casal, néscio e silencioso, cara de palerma porém respeitável parceiro). Sincero nos elogios ao almoço e nos agradecimentos à dona da casa, faz-se cauteloso na resposta ao indiscreto anfitrião:

- O problema, hum…Estou começando a formar opinião mas é cedo para qualquer afirmação. Quero reflectir sobre alguns detalhes, antes de formular parecer.

Doutor Franklin não se deixa enganar. O mestre pedira-lhe relato minucioso, crivara-o de perguntas, não deixara fio solto, estudara os livros antigos e examinara os documentos recentes. Balançando a cabeçorra, encomendara certidões a Bonaparte, queria levá-las consigo. Por fim sorrira, ladino, e doutor Franklin ficou certo de que o mestre havia encontrado a solução, pois existe uma solução capaz de resolver o impasse, beneficiando a Brastânio e se ele pobre tabelião do interior, a descobrira, como iria escapar à experiência do grande advogado? Não se surpreende com a reserva do conviva, por que haveria de por as cartas na mesa, revelar seus trunfos?

Doutor Colombo suspira ao provar a primeira colherada de ambrósia: incomparável! Ainda no prazer da degustação, passa a comandar as perguntas, em busca de informações sobre os próceres de Agreste:

- O candidato a Perfeito, que tal?

- Um moço honrado.

Fugaz sombra de dúvida transparece nos olhos do doutor Colombo, logo se apaga.

- Refiro-me ao rapaz que é o candidato da Brastânio, chamado… - retira um papel do bolso, lê a anotação, - … Ascânio Trindade. Esteve recentemente em Salvador.

Esse mesmo. Não sabia que fosse candidato da Brastânio. Maneira de falar. Assim me expressei porque esse moço, revelando-se administrador de visão, demonstrou publicamente ser favorável à instalação da Brastânio no município. É natural que a Brastânio veja a sua candidatura com simpatia. Nada além disso.

A explicação não convence doutor Franklin, cada vez mais apreensivo: nos últimos dias ouvira surpreendentes comentários a respeito de Ascânio. Diziam-no muito mudado, após a viagem à capital. Falando grosso, cheio de si, ditando regras. Doutor Marcolino Pitombo se referia a golpe de baú. Realmente, segundo doutor Marcolino apurara, Ascânio arrasta a asa à paulista rica, enteada de dona Antonieta Cantarelli. Que haverá de verdade em toda essa boataria?

Falar da vida alheia sempre fora a diversão principal da cidade mas, com o debate sobre a indústria de titânio, os mexericos impregnaram-se de maldade, deixando de ser risonhos ou apimentados para se tornarem cínicos e impiedosos. Talvez Ascânio continuasse o mesmo de antes, moço honesto e direito empolgado com a possibilidade de grandes progressos para o município resultantes da instalação da fábrica.

Tendo sido amigo do falecido Leovigildo, pai de Ascânio, o tabelião estimava o rapaz entusiasta e trabalhador. Quando o coronel Artur de Tapitanga propusera seu nome para Prefeito na vaga aberta com a morte do doutor Enoch, aplaudira a escolha. Não só ele, toda a população. De repente, Ascânio surge candidato da Brastânio e mestre Colombo parece ter razões para pôr em dúvidas a sua honestidade.

Repetindo farta porção de ambrósia, o eminente catedrático indaga:

- Segundo entendi, a eleição desse moço é coisa pacífica, concorre sozinho, não apareceram outros candidatos, não é mesmo?

- Até ao momento é o único. É verdade que candidatura propriamente dita não existe, pois a data da eleição ainda não foi marcada.

- Engana-se o caro amigo. A data da eleição acaba de ser marcada. Na reunião de ontem do Tribunal Eleitoral.

Um arrepio percorre a espinha do doutor Franklin. Lera num jornal da capital referência ao interesse da Brastânio pela eleição para a Prefeitura de Agreste. Pressionava o Tribunal para marcar a data. Antigamente ninguém se preocupava com as eleições no perdido município, feudo imemorial do coronel Artur de Tapitanga. Outra força política se levanta agora, tão poderosa a ponto de trazer a Agreste, a seu serviço, o próprio professor Hélio Colombo, invencível nos tribunais e ao que se vê, na mesa.

Bonaparte, derrotado, abandona a competição, cruza os talheres. O egrégio mestre é parada: impávido, ataca o doce de araça, guloseima hoje tão rara, tão difícil de encontrar-se quanto um
homem honrado, meu caro tabelião.

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