sábado, novembro 21, 2009


TIETA DO


AGRESTE


EPISÓDIO Nº 285



DO BANZO DIAGNOSTICADO POR OSNAR



Na pensão de dona Amorzinho, definha o velho Jarde Antunes, outrora agricultor laborioso, jovial criador de cabras. Passa a maior parte do dia estendido na cama, morrinhento, nada no mundo o interessa. Josafá, vez por outra, tenta reanimá-lo:

- Daqui a mais uns dias, Pai, logo se venda o terreno e embolse os cobres, a gente se toca para Itabuna. Vosmicê vai ver o que é terra fértil, gado gordo, cada rês de encher os olhos, vai conhecer roça de cacau. Aquilo, sim, vale a pena, não são esses tabuleiros daqui, secos e esturricados. Tenha um pouco de paciência.

Os olhos do velho persistem fixos nos caibros do teto, Josafá se agasta:

- Está sentindo doente, Pai? Quer que chame o médico?

- Precisa não. Tenho nada, não.

Bom filho, Josafá perde tempo contando-lhe detalhes sobre a marcha da demanda, idas e vindas dos advogados, matreirices de Modesto Pires, dúvidas sobre Ascânio, quando não descreve as opulências do sul do Estado, a grandeza do cacau. Não tem sequer a certeza se o velho o escuta.

- Está ouvindo, Pai?

- Estou sim, meu filho.

No calor da tarde a leseira aumenta, Jarde cerra os olhos, indiferente a tudo. Ou quase tudo, pois lhe acontece, de raro em raro, calçar as alpargatas, sair do quarto e da pensão, atravessando a rua em direcção à loja de Astério. Em busca de notícias de Vista Alegre, das cabras e de seu Mané. As notícias são boas, Jarde cobra alento ao ouvi-las, chega a sorrir. Discorre com Astério e Osnar, sobre o costume das cabras; não existe animal, doméstico ou selvagem, que com elas se possa comparar. Quanto a seu Mané, nem o coronel Artur da Tapitanga possui macho de tanta competência e sobranceria. Bodastro retado, confirma Osnar.

Ao despedir-se, o velho recai no desalento, na melancolia. Põe-se de pé, lívido, trôpego, cabisbaixo, pele e osso. Astério, penalizado, convida-o a acompanhá-lo na caminhada matinal à roça. Jarde recusa, um gesto esmorecido, um fio de voz:

- Pra quê? Pra ver o que não me pertence mais? Só peço que o senhor cuide bem dos bichinhos.

Arrasta-se, cruzando a rua, Osnar diagnostica:

- Está com banzo.

- Banzo? – duvida Astério – Nunca ouvi ninguém atacado de banzo por aqui. Banzo era doença de escravo.

- Pois é, tinha acabado com o treze de Maio. Voltou com a fábrica. É capaz de virar epidemia.



NOTA:


- O Banzo foi diagnosticado no século XIX como um distúrbio mental. Os escravos ficavam entristecidos, paravam de falar e, acima de tudo, deixavam de comer quaisquer que fossem as comidas…falecendo pouco depois numa espécie de morte voluntária.

Os escravos suicidavam-se 2 a 3 vezes mais que os homens livres, especialmente com o banzo a que também poderíamos chamar de nostalgia.

… quem diz que elas não matam?

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