segunda-feira, novembro 23, 2009


TIETA DO
AGRESTE

EPISÓDIO Nº 286




DOS ÚLTIMOS RETOQUES NA FORMAÇÃO DE UM LÍDER OU DE COMO ASCÂNIO FICA DE SACO CHEIO



Forja-se um líder no fulgor da batalha, vencendo adversidades – lera Ascânio Trindade no volume “A Trajectória dos Líderes, de Tiradentes a Vargas”.

Comprova pessoalmente a verdade da afirmação. No fragor da batalha, em meio a agravos e decepções, insolências e ameaças, Ascânio se modifica, amadurece, reformula sua escala de valores, cresce em ambição (um homem sem ambição jamais será um vitorioso, ensinara o vitorioso Rosalvo de Lucena), torna-se um forte. Convicto do acerto das suas atitudes, disposto a ir até ao fim.

Segundo o autor dos esboços biográficos, quase sempre uma força misteriosa sustenta o líder no combate, uma estrela guia-lhe os passos, um sol ilumina seu caminho. Correcto. No caso do jovem líder de Agreste, essa misteriosa força provem de Leonora Cantarelli, estrela e sol, inspiração e desiderato. Nela se alimenta de coragem e disposição. Muito deve suportar um líder, se deseja vencer e comandar. Não fosse aquele alento de amor, cada noite renovado, como tolerar e confundir advogados e herdeiros? Juntos ou cada qual por si, sobem e descem as escadas da Prefeitura, a aporrinhá-lo. Aporrinhar, verbo cru e grosseiro, jamais o utilizaria antes o educado Ascânio, pouco afeito a expressões chulas. Mas agora de saco cheio escapam-lhe palavrões a torto e a direito.

Sozinho ou em grupo, terminam sempre na sala de despachos, infernizam a vida do candidato, esgotam-lhe a paciência. Exigem definições, promessas, garantias. Vai desapropriar ou não? A área inteira ou apenas uma parte? Em que bases será fixada a indemnização? Peritos? Quais? Apesar de ter abandonado a faculdade de Direito no 2º ano, Ascânio enfrenta os argumentos dos advogados, a pressão dos herdeiros. De nada vale irritar-se. Não pode mandá-los à puta que os pariu como tanto deseja fazê-lo. Deve consideração a Modesto Pires, a dona Carlota, é amigo de Canuto Tavares e deles necessita sobretudo agora, pois a eleição pode deixar de ser um simples referendum da vontade comum do coronel Artur de Tapitanga e do povo.

Aparentando não perceber insinuações, meias – palavras, advertências, consegue apaziguá-las sem se comprometer. Tão rígido antes, aprende a ser maleável. Diante da intransigência de Fidélio, não existe outra solução para o problema dos terrenos, além da desapropriação. Se existe, gostaria de conhecê-la, quem sabe os senhores advogados…

A desapropriação, por consequência, beneficia os herdeiros. A Prefeitura não deseja prejudicar ninguém. A instalação da fábrica deve ser motivo de riqueza para os cidadãos do município, esse o seu pensamento. Por que não tratam de legalizar seus direitos? Assim, no momento preciso, se Fidélio não voltar atrás, poderão acertar com a Prefeitura os detalhes da desapropriação. Navega entre herdeiros e advogados evitando entrar em choque com paredros (conselheiros) de sua candidatura. Apesar disso, atritou-se com doutor Marcolino Pitombo, logo com quem!

- Mais uma palavra e eu o convido a retirar-se da sala – Um líder deve saber se impor, quando necessário e útil.

Na presença de Josafá, o causídico em meio a uma conversa enrolada, de repente se refere a “compensações no caso que…” Insultado, Ascânio não lhe permite terminar a frase, vagam no ar indefinidas intenções. Tentativa de suborno? Diante da indignada reacção, doutor Marcolino não perde a calma nem o sorriso: o caro amigo anda com a susceptibilidade à flor da pele; somente assim se explica que empreste malévolo sentido a palavras inocentes – acalme-se, por favor. As explicações foram aceites, ficou o dito por não dito.

Na saída, Josafá recordou ao impulsivo patrono conversa anterior:

- Não lhe avisei, doutor, que Ascânio é homem direito? O senhor se trumbicou…

- Confesso que me enganei, sim, mas ao afirmar que o rapaz é tolo. Nem tolo nem honesto. Pode ter sido, antes de lhe ter aparecido uma boca dessas. Meu caro Josafá, já lhe disse que toda a honestidade tem seu preço. O nosso é baixo, não paga a pena, não se compara com o da
Brastânio. Não se esqueça que mestre Colombo passou aqui antes de mim.

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