terça-feira, novembro 24, 2009


TIETA DO
AGRESTE


EPISÓDIO Nº 287



Ascânio não soube desse diálogo mas tomou conhecimento de variadas opiniões sobre os motivos determinantes da sua posição. Seu carácter e sua honra são discutidos apaixonadamente – como sempre acontece com os líderes.

Jamais imaginara que a redenção de Agreste (A presença da Brastânio significa a redenção de Agreste – proclama a manchete do jornal mural) lhe custasse tanto vexame, tanta consumição. Apesar das escusas do doutor Marcolino, persistem em seus ouvidos as frases capciosas, a palavra “compensações” junto com o aparte insultante, cuspido em sua cara no improvisado meeting do primeiro post: Pau – mandado da Brastânio! Vendido! De nada adiantara ter recusado a ajuda oferecida pelo doutor Mirko para a eleição, exactamente para ficar a coberto de qualquer suspeita: acusam-no da mesma maneira.

No decorrer desses dias agitados, vai-se habituando a equívocas situações que de início lhe pareceram intoleráveis. Ao ouvir o aparte, ficara como louco, desafiara o covarde a mostrar-se e a repetir a injúria. Perdera a cabeça, no bar, durante o torneio do Taco de Ouro, ao ouvir dona Edna aludir à Bacia de Catarina. Terminara por não ligar importância ao disse que disse, um líder deve colocar-se acima de tais mesquinhezas. Sobretudo quando acontecem factos realmente graves, junto aos quais o aparte anónimo, a frase incompleta do advogado, as torpezas de dona Edna nada significam.

Dona Carmosina, amiga fraterna, em cujo seio encontrara lenitivo na hora fatal da traição de Astrud, madrinha do namoro com Leonora, comportara-se de maneira insólita, para não dizer indigna. Tentara intrigá-lo com o coronel Artur, a quem Ascânio devia emprego e candidatura. Obtendo resultados, o que é pior.

Envenenado contra a Brastânio, o fazendeiro mandara chamá-lo. Não quero imundice em Agreste, dissera. Ascânio rebatera as afirmações e os argumentos da agente dos Correios, cuja posição apaixonada devia-se à amizade que a ligava a Giovanni Guimarães. Repetira frases e conceitos de Mirko Stefano e Rosalvo Lucena, bradara contra os inimigos do progresso da pátria brasileira. O coronel, os olhos semicerrados, a face cansada, ouviu o seu arrazoado mas não se deu por satisfeito, atirou-lhe com artigos publicados em O Estado de São Paulo, a sentença do juiz italiano; O estado de São Paulo não mente nem se engana. Levantou os olhos para o afilhado:

- Fui eu que levantei a sua candidatura quando Enoch morreu. Mas por aí estão dizendo que você é candidato por essa tal fábrica.

- O que sou devo ao senhor, meu padrinho. Mas não me importo que me apontem como candidato da Brastânio, não é uma desonra. Ao contrário, pois temos o mesmo ideal: o progresso de Agreste. Digam o que disserem, façam o que fizerem, não me dobram. Vou até ao fim. Agradeço tudo o que o senhor tem feito por mim, mas não me peça padrinho, para mudar de opinião – Um líder forja-se na luta.

Mal se refizera da entrevista, difícil e dolorosa pois o padrinho definhava a olhos vistos, recebeu outro golpe, o pior de todos. Voltando de Mangue Seco, a madrasta de Leonora, a cidadã benemérita, a Joana d’Arc do sertão, dona Antonieta Esteves Cantarelli o convida para uma conversa. Nós dois e mais ninguém, dissera. Ficara apavorado, na certa Tieta soubera do que estava acontecendo entre ele e Leonora, na beira do rio; chegaram aos seus ouvidos as murmurações da cidade. Não negará; aproveitando a deixa, confessará seu amor profundo e honesto, quer casar-se. Pobre, porém ambicioso e capaz, saberá conquistar um lugar ao sol. Assim resolverá de uma vez a situação. No bolso o anel de compromisso. Seja qual for a reacção
de dona Antonieta, não pensa desistir de
Leonora. Prepara-se para o encontro.

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