quinta-feira, novembro 26, 2009


TIETA DO
AGRESTE

EPISÓDIO Nº 289




DE COMO O VELHO CAUDILHO ARTUR DE TAPITANGA FICOU SEM O SEU CANDIDATO




Sentado no banco de madeira, na varanda da casa grande, sozinho, o coronel Artur de Figueiredo calenta sol. Cabras pastam nas imediações, mais adiante fica o curral. Voz forte de mulher, pedindo licença na cancela, corta-lhe a madorna. Coisa ruim a velhice: fraquejam as pernas, na boca insossa a comida perde o sabor, à orelha dura os sons chegam fracos e distantes, na visão embaçada pessoas e coisas movem-se em meio a um nevoeiro. Tem dificuldade em reconhecer a visita que se aproxima, atravessando por entre galinhas, conquens e patos.

- Quem vem lá?

- É de paz, Coronel.

A voz soa-lhe familiar. Põe-se de pé, apoiado na bengala, aperta a vista:

- É você, Tieta? Louvado seja Deus! Estive para lhe mandar um recado mas soube que você andava em Mangue Seco.

- Voltei, Coronel, e vim logo lhe ver. Não esqueci a promessa.

Acercando-se, Tieta constata quanto decaíra o octogenário em pouco mais de quinze dias. Ao visitá-la na noite de Ano-Novo, por ocasião da morte de Zé Esteves, era um velho disposto e alegre, desfilando recordações, saliente, malicioso, exigindo sua ida à fazenda para conhecer o bode Ferro-em-Brasa, pai de rebanho, sem rival na história. Transformara-se em esquálido ancião, curvo sobre a bengala, voz arrastada, olhos sem brilho, pele e ossos.

Parece conservar, no entanto, a força de carácter, hábitos antigos e determinados interesses – públicos e privados. Ao abraçar Tieta, apalpa-lhe com as mãos trémulas a carnação farta, ai seu tempo!

- Vamos sentar, minha filha, quero que você me explique o que está acontecendo em Agreste.

A rir, brincalhona, Tieta comenta o vacilante manuseio:

- O tempo passa, a mão do Coronel não perde o tato.

Menina, pastora de cabras, fugia ao enxergá-lo no caminho. Se ele a alcançava passava-lhe a mão pelos peitos e pelas pernas.

- Já perdi o gosto de quase tudo, só não perdi o vício de mulher. Sou como um bode velho, que já não serve para nada mas ainda vai cheirar o rabo das cabras – Bate com a bengala no chão, chama: - Merência!

A criada, ser informe, corcunda, sem idade, carapinha branca, espia da porta aguardando ordens, reconhece Tieta:

- Tu é Tieta, não é? Tu ficou loura ou deu para usar chinó?

- Sou eu mesma, Merência. Depois vou lá dentro falar com você.

- Passe um café para a gente, não fique aí parada, mulher.

- Que idade Merência tem, Coronel?

- Se não passou dos cem, deve estar beirando. Quando eu nasci já era moleca fogosa. Agora, Tieta, me esclareça, me diga o que está ocorrendo. Nunca ouvi tanta maluquice em minha vida.

- O que assim, Coronel?

- Ascânio, meu afilhado, meu braço direito na Prefeitura, nem parece o mesmo rapaz sensato, anda às voltas com uma tal de indústria que pretende se instalar em Agreste, para os lados de Mangue Seco, segundo me diz. Ascânio acha que com isso o município vai prosperar outra vez, o dinheiro vai correr.

Esteve na capital, conversando com os capitalistas, jura por eles. Quando me falou a primeira vez, achei a esmola grande demais, mas calei minha boca porque esse tempo moderno é mesmo esquisito, acontecem coisas que nem o diabo explica… - faz uma pausa, muda de assunto – Como é que tu conseguiu botar luz de Paulo Afonso em Agreste? Até aqui já levantaram poste. Nem o diabo pode explicar… – um resto de malícia nos olhos baços, na voz de catarro – Para tu mandar tanto nesses políticos de São Paulo, não sei não…

Tieta ri, bota lenha na fogueira do ancião:

- Tenho meus recursos, Coronel, minhas armas secretas…

- Disso eu sei. Tu não é gente, desde novinha – Os olhos descem do busto de Tieta até aos quadris – Bem servida de leitaria e padaria. Que Deus conserve as prendas que te deu. Teu finado devia ser homem acomodado, bom de génio…Era conde, não era?

- Comendador, Coronel.

- É tudo a mesma coisa. Esses monarquistas são todos mansos. Raça de cabrões. Mas, voltando atrás: me aparece por aqui dona Carmosina, outra pessoa direita, carregada de jornais, as gazetas que eu assino e ela é quem lê, toca a me recitar artigos de O Estado de São Paulo e de A Tarde, dois jornais sérios,
dizendo que a tal fábrica é uma desgraça, que só vem para Agreste porque ninguém a quer em lugar nenhum do mundo, acaba com tudo.

Site Meter