TIETA DO
AGRESTE
EPIDÓDIO Nº 294
DE TIETA TODA ORNADA DE CHIFRES
Os gritos de Tieta despertaram Perpétua. Enfia a saia negra sobre o camisolão, toma o candeeiro, abre a porta a tempo de enxergar Ricardo fugindo pelo corredor, apanhando sem soltar um pio, nu em pelo, ai Senhor meu Deus!
Desatinada, mandando ao diabo contenção, decoro, conveniências, desprezando qualquer espécie de cautela, a tia o persegue até à porta da rua; o bordão ronca nas costas do sobrinho. O bordão do velho Zé Esteves, o mesmo que exemplou Tieta quando o pai soube, por intermédio de Perpétua, do caixeiro-viajante.
Ricardo ainda tenta voltar em busca de um calção mas a fúria, de cajado em riste, no auge da dor de corno, o atinge na face, na face angelical e pérfida como a atingira Zé Esteves em outra distante madrugada – também ela tinha a face angelical. Fecha o corredor, vibra o cajado, ameaça os celestiais e traiçoeiros quimbas do aleivoso, a divina e perjura estrovenga. Num salto, Ricardo ganha a rua, salva os preciosos bens. Não refeito ainda da surpresa, desarvorado, vê-se na Praça, trajando lanhos, vergonha e o anel de jade, a porta fechada com violência sobre a voz colérica a expulsá-lo: - Suma da minha frente!
Tieta toda ornada de chifres. Ela os fora recolher na beira do rio. Quando a luz do motor marcou a hora combinada, estava a postos: assistiu ao encontro atrás da mangueira, acompanhou o traste e a moleca até à escuridão da Bacia de Catarina. Sujeitando o orgulho à dura prova, postou-se à escuta para cumular-se de indignação, suar o ciúme inteiro, gota a gota. Aberta em chagas, aviltada, coberta de lama, abjecta, ridícula, corneada. Escutou os risos, perdeu a conta dos suspiros, mediu o silêncio dos beijos, aprendeu as nuanças da palavra bem, repetido refrão: me beija de novo, bem, me morde, mete em mim, bem; não vá embora, bem, demore mais; ai, bem.
Logo ao regressar de Mangue Seco começara a suspeitar da existência de outro rival além de Deus: humano e fêmea. Pôs-se à escuta, recolheu informações mas quis ter a certeza, tirar pessoalmente a limpo, tão impossível lhe parecera. Viu, ouviu, quase participou. Era verdade. Deixara-se enganar, ela, Tieta, vaidosa e segura de si, como se fosse a mais tola e confiante das raparigas.
Conforme fazia todas as noites, no quarto se despiu e perfumou. Assim o esperara para que as últimas centelhas de paixão se extinguissem quando ele a tocasse com as mãos ainda quentes do corpo da menina e sobrassem tão-somente humilhação e raiva.
Jamais lhe acontecera. Lucas fugira temendo se prender, não por causa de outra. Fora necessário retornar a Agreste para um homem ousar. Um homem? Cabrito apenas desmamado, vestido de batina, de inocência e medo, um menino donzelo, cabaço cuja flor ela colhera na noite das dunas, ao luar.
AGRESTE
EPIDÓDIO Nº 294
DE TIETA TODA ORNADA DE CHIFRES
Os gritos de Tieta despertaram Perpétua. Enfia a saia negra sobre o camisolão, toma o candeeiro, abre a porta a tempo de enxergar Ricardo fugindo pelo corredor, apanhando sem soltar um pio, nu em pelo, ai Senhor meu Deus!
Desatinada, mandando ao diabo contenção, decoro, conveniências, desprezando qualquer espécie de cautela, a tia o persegue até à porta da rua; o bordão ronca nas costas do sobrinho. O bordão do velho Zé Esteves, o mesmo que exemplou Tieta quando o pai soube, por intermédio de Perpétua, do caixeiro-viajante.
Ricardo ainda tenta voltar em busca de um calção mas a fúria, de cajado em riste, no auge da dor de corno, o atinge na face, na face angelical e pérfida como a atingira Zé Esteves em outra distante madrugada – também ela tinha a face angelical. Fecha o corredor, vibra o cajado, ameaça os celestiais e traiçoeiros quimbas do aleivoso, a divina e perjura estrovenga. Num salto, Ricardo ganha a rua, salva os preciosos bens. Não refeito ainda da surpresa, desarvorado, vê-se na Praça, trajando lanhos, vergonha e o anel de jade, a porta fechada com violência sobre a voz colérica a expulsá-lo: - Suma da minha frente!
Tieta toda ornada de chifres. Ela os fora recolher na beira do rio. Quando a luz do motor marcou a hora combinada, estava a postos: assistiu ao encontro atrás da mangueira, acompanhou o traste e a moleca até à escuridão da Bacia de Catarina. Sujeitando o orgulho à dura prova, postou-se à escuta para cumular-se de indignação, suar o ciúme inteiro, gota a gota. Aberta em chagas, aviltada, coberta de lama, abjecta, ridícula, corneada. Escutou os risos, perdeu a conta dos suspiros, mediu o silêncio dos beijos, aprendeu as nuanças da palavra bem, repetido refrão: me beija de novo, bem, me morde, mete em mim, bem; não vá embora, bem, demore mais; ai, bem.
Logo ao regressar de Mangue Seco começara a suspeitar da existência de outro rival além de Deus: humano e fêmea. Pôs-se à escuta, recolheu informações mas quis ter a certeza, tirar pessoalmente a limpo, tão impossível lhe parecera. Viu, ouviu, quase participou. Era verdade. Deixara-se enganar, ela, Tieta, vaidosa e segura de si, como se fosse a mais tola e confiante das raparigas.
Conforme fazia todas as noites, no quarto se despiu e perfumou. Assim o esperara para que as últimas centelhas de paixão se extinguissem quando ele a tocasse com as mãos ainda quentes do corpo da menina e sobrassem tão-somente humilhação e raiva.
Jamais lhe acontecera. Lucas fugira temendo se prender, não por causa de outra. Fora necessário retornar a Agreste para um homem ousar. Um homem? Cabrito apenas desmamado, vestido de batina, de inocência e medo, um menino donzelo, cabaço cuja flor ela colhera na noite das dunas, ao luar.
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