TIETA DO
AGRESTE
EPISÓDIO Nº 293
Diante dos sacos de farinha de Gumercindo Sare, Peto entregou um prospecto ao vendedor, outro à compradora, dona Jacinta Freire, beata das mais xeretas. Gumercindo, julgando tratar-se de anúncio de cinema, deixou o papel cair no chão. Dona Jacinta, porém, interrompendo a compra, dedicou-se à leitura, em voz alta; outro jeito não teve o feirante senão escutar. Ao ouvir o nome de Ascânio, interessou-se, pediu explicações. Dona Jacinta satisfez-lhe a curiosidade com prazer. Indicou a tabuleta no centro da Praça, apontou a faixa, releu os insultos com gorjeios de voz, adorando. Incrédulo, Gumercindo perguntou:
- Querem tirar doutor Ascânio da Prefeitura?
- Para botar o Comandante Dário. Diz que Ascânio…
Homem de acção, Saruê procura com os olhos o menino que distribui aquele papel imundo e o enxerga mais adiante, descansando da árdua empreitada, enquanto chupa um picolé. Gumercindo parte para Peto, estende as mãos para tomar o maço de volantes, consegue tirar alguns que rasga com raiva, quer o resto:
- Me entregue essas porqueiras, seu moleque.
Ora, como de sobejo se sabe, Peto é parada. Unindo a acção à parada, vibra um pontapé na canela de Gumercindo e xinga-lhe a mãe.
- O que é isso, compadre? – intervém Nhô Batista, outro lavrador de Rocinha, ao observar o amigo, cego de ódio, buscando agarrar o menino.
Estão querendo tirar doutor Ascânio da Prefeitura!
A notícia se espalha, corre como um rastilho de pólvora, ou seja rápida e peçonhenta, comovendo a feira. A maioria dos vendedores, procedentes quase todos de Rocinha, tinha Ascânio em grande estima. Os habitantes da beira do rio e da orla do mar, fornecedores de peixe, mariscos, caranguejos e guaiamuns, juravam pelo Comandante – numericamente em minoria, eram temidos, alguns possuíam fama de contrabandistas e tradição de luta contra a polícia.
A caça a Peto através da feira, com lances espectaculares e muita mercadoria derrubada, deu início à desordem. Safa-se Peto, desatando uma vara de porcos nos pés de Saruê e seus asseclas. Parte para o bar em busca de reforços; a última coisa que viu na confusão foi Ricardo sendo agarrado por um grupo, os volantes espalhando-se ao vento. O bar cheio, vieram todos.
Feira assim animada, não houve jamais. Desbancou a 4 de Junho de 1938, na qual o façanhudo cabo Euclides tentou capar, na vista do povo, o violeiro Ubaldo Capadócio escapou por milagre. Não escaparam a faixa e as tabuletas – as duas, pois o placar do cinema, anunciando profeticamente porrada à Beça, foi igualmente destruído. Acontece que os pescadores, de início ignorantes da causa do conflito, demoraram a participar na festa. Mas, quando se deram conta do desafio ao Comandante, pau comeu.
O pau comeu de todos os lados, muitos nem souberam dos motivos da briga, todos se envolveram. Prejuízo vultoso e geral: sacos e sacos de farinha, de feijão, de arroz, de milho, derramados, frutas e legumes pisados, esmagados, mantas de charque pelo chão, peixes servindo de arma de combate e caranguejos soltos entre os campeões. O profeta Possidónio, tendo proclamado mais uma vez o fim do mundo, baixou o cajado sobre uns e outros, indiferente às posições políticas, eram todos condenados pecadores.
Nem Ascânio, vindo da Prefeitura às pressas, conseguiu acabar com a briga. Tampouco o Comandante, roubado à redacção do seu discurso. Nem mesmo padre Mariano, cuja intervenção apenas impediu que o Comandante e Ascânio se atracassem.
Mas quando Tieta, alertada por Sabino, apareceu na Praça, empunhando o bordão do velho Zé Esteves, semelhando a Senhora Sant’Ana, e entrou no meio do povo gritando: parem com isso!, todos abriram passagem para ela e tudo serenou. Tarde de mais para salvar a faixa e a tabuleta, mas a tempo de recolher os escombros de Ricardo. Na hora exacta; nem bem levantara e conduzira o sobrinho glorioso (equimoses no rosto e nas pernas) surgiram na Praça em pé de guerra, vindas de horizontes diferentes, a pequena Maria Imaculada, a devota Cinira, a pretendente Edna e a liberta Carol. Também Ricardo possui eleitorado. Reduzido mas de qualidade.
AGRESTE
EPISÓDIO Nº 293
Diante dos sacos de farinha de Gumercindo Sare, Peto entregou um prospecto ao vendedor, outro à compradora, dona Jacinta Freire, beata das mais xeretas. Gumercindo, julgando tratar-se de anúncio de cinema, deixou o papel cair no chão. Dona Jacinta, porém, interrompendo a compra, dedicou-se à leitura, em voz alta; outro jeito não teve o feirante senão escutar. Ao ouvir o nome de Ascânio, interessou-se, pediu explicações. Dona Jacinta satisfez-lhe a curiosidade com prazer. Indicou a tabuleta no centro da Praça, apontou a faixa, releu os insultos com gorjeios de voz, adorando. Incrédulo, Gumercindo perguntou:
- Querem tirar doutor Ascânio da Prefeitura?
- Para botar o Comandante Dário. Diz que Ascânio…
Homem de acção, Saruê procura com os olhos o menino que distribui aquele papel imundo e o enxerga mais adiante, descansando da árdua empreitada, enquanto chupa um picolé. Gumercindo parte para Peto, estende as mãos para tomar o maço de volantes, consegue tirar alguns que rasga com raiva, quer o resto:
- Me entregue essas porqueiras, seu moleque.
Ora, como de sobejo se sabe, Peto é parada. Unindo a acção à parada, vibra um pontapé na canela de Gumercindo e xinga-lhe a mãe.
- O que é isso, compadre? – intervém Nhô Batista, outro lavrador de Rocinha, ao observar o amigo, cego de ódio, buscando agarrar o menino.
Estão querendo tirar doutor Ascânio da Prefeitura!
A notícia se espalha, corre como um rastilho de pólvora, ou seja rápida e peçonhenta, comovendo a feira. A maioria dos vendedores, procedentes quase todos de Rocinha, tinha Ascânio em grande estima. Os habitantes da beira do rio e da orla do mar, fornecedores de peixe, mariscos, caranguejos e guaiamuns, juravam pelo Comandante – numericamente em minoria, eram temidos, alguns possuíam fama de contrabandistas e tradição de luta contra a polícia.
A caça a Peto através da feira, com lances espectaculares e muita mercadoria derrubada, deu início à desordem. Safa-se Peto, desatando uma vara de porcos nos pés de Saruê e seus asseclas. Parte para o bar em busca de reforços; a última coisa que viu na confusão foi Ricardo sendo agarrado por um grupo, os volantes espalhando-se ao vento. O bar cheio, vieram todos.
Feira assim animada, não houve jamais. Desbancou a 4 de Junho de 1938, na qual o façanhudo cabo Euclides tentou capar, na vista do povo, o violeiro Ubaldo Capadócio escapou por milagre. Não escaparam a faixa e as tabuletas – as duas, pois o placar do cinema, anunciando profeticamente porrada à Beça, foi igualmente destruído. Acontece que os pescadores, de início ignorantes da causa do conflito, demoraram a participar na festa. Mas, quando se deram conta do desafio ao Comandante, pau comeu.
O pau comeu de todos os lados, muitos nem souberam dos motivos da briga, todos se envolveram. Prejuízo vultoso e geral: sacos e sacos de farinha, de feijão, de arroz, de milho, derramados, frutas e legumes pisados, esmagados, mantas de charque pelo chão, peixes servindo de arma de combate e caranguejos soltos entre os campeões. O profeta Possidónio, tendo proclamado mais uma vez o fim do mundo, baixou o cajado sobre uns e outros, indiferente às posições políticas, eram todos condenados pecadores.
Nem Ascânio, vindo da Prefeitura às pressas, conseguiu acabar com a briga. Tampouco o Comandante, roubado à redacção do seu discurso. Nem mesmo padre Mariano, cuja intervenção apenas impediu que o Comandante e Ascânio se atracassem.
Mas quando Tieta, alertada por Sabino, apareceu na Praça, empunhando o bordão do velho Zé Esteves, semelhando a Senhora Sant’Ana, e entrou no meio do povo gritando: parem com isso!, todos abriram passagem para ela e tudo serenou. Tarde de mais para salvar a faixa e a tabuleta, mas a tempo de recolher os escombros de Ricardo. Na hora exacta; nem bem levantara e conduzira o sobrinho glorioso (equimoses no rosto e nas pernas) surgiram na Praça em pé de guerra, vindas de horizontes diferentes, a pequena Maria Imaculada, a devota Cinira, a pretendente Edna e a liberta Carol. Também Ricardo possui eleitorado. Reduzido mas de qualidade.
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