quarta-feira, dezembro 09, 2009


TIETA DO
AGRESTE


EPISÓDIO Nº 300




- Pois aqui estamos, vitoriosos. Custou trabalho e muita habilidade, assunto explosivo. Não digo para valorizar mas se não fosse o parecer do amigo aqui presente… O pessoal da linha dura andou torcendo o nariz e as autoridades baianas tinham ficado de pé: em qualquer lugar, menos Arembepe, e daí não arredavam. Mas, finalmente, cederam abandonando a posição de intransigência, diante da argumentação apresentada por nosso prestigioso paraninfo.

- O desenvolvimento nacional é prioritário, contra ele não podem prevalecer razões sentimentais, muito menos detalhes de localização.

Estive lá, pessoalmente, constatando o absurdo das alegações, meu parecer baseou-se no estudo directo do problema. Em rápido bosquejo, vou colocá-los a par de meus considerandos e de minhas conclusões – O prestigioso paraninfo aclara a voz com um largo trago de uísque com guaraná.

Não pediu anuência, foi em frente com o rápido bosquejo, em verdade quase uma conferência. Ângelo Bardi ouve de olhos semicerrados, cada palavra vale ouro. O Velho Parlamentar parece beber as frases da conferencista, concorda e aplaude com a cabeça. Atento, o Magnífico Doutor, em atitude de directa reverência: que pecado cometera para sofrer aquele castigo? Ninguém ousou interromper.

Na Bahia, àquela hora, Rosalvo Lucena, no gabinete do Secretário, recebe a boa notícia; novos estudos, realizados em alto nível, levaram a uma reavaliação do problema. Poderosas razões de ordem económica, social e política determinam a localização da indústria de dióxido de titânio em Arembepe, o Governo Estadual dá meia volta, volver, submete-se e aprova o pedido da Brastânio. No Refúgio dos Lordes, ao calar-se a voz autoritária e metálica, o magnata Bardi aplaude:

- Ainda bem que possuímos estadistas de larga visão, capazes de impor as supremas razões do interesse nacional, esmagando preconceitos, derrotando a subversão. Dou-lhe os parabéns, meu ilustre amigo.

O Velho Parlamentar deixa de lado o copo de uísque com guaraná, mistura horrenda:

- Caro Bardi, um último detalhe antes que nos separemos. Em que data será realizada a assembleia para a ampliação da directoria da Brastânio?

- Em seguida. Estaremos em Salvador amanhã, faremos imediatamente publicar os editais da convocação – Volta-se para o autor do relatório que se regala com o uísque and guaraná – Para nós vai ser um grande prazer incorporar à directoria da Brastânio o doutor Gildo Veríssimo, de cujas capacidades temos as melhores referências…

- Não é por ser meu genro… - concorda o ilustre amigo - … mas competência é o que lhe sobra. Os senhores estão bem servidos.

- Estamos conversados – conclui o Velho Parlamentar.

Ângelo Bardi agita pequena sineta de prata, a gerente se apresenta comandando as meninas. O de postura rígida e cabelo buscarré, prestigioso paraninfo, ilustre amigo, curva-se para o Magnífico Doutor, pergunta em voz baixa:

- As despesas estão todas pagas?

- É claro…

- Todas? Incluindo…

- Incluindo.

- Então, avise a ela – ordena, apontando a gerente – que eu quero aquela de cabelo de fogo…

Lá se ia a ruiva, perdida pela segunda vez, contingência da profissão de director de relações públicas, repleta desses desapontos. Mas também gratificante, reflecte Mirko. Saber que Agreste desaparecerá do mapa, que nunca mais terá de atravessar aqueles caminhos de mula e suportar o calor senegalesco, a poeira, a lama, o desconforto, a cerveja quente, sem falar nos bandidos e nos tubarões da costa deserta, misérias e perigos a cercá-lo e ameaçá-lo, pagava qualquer pena – ruiva ou castanha, loira ou trigueira.

Em nenhum momento, enquanto recordou Agreste e Mangue Seco, pensou em Ascânio Trindade. Para o doutor Mirko Stefano, Agreste e sua gente pobre e feia tinham acabado para
sempre.

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