quarta-feira, janeiro 06, 2010


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS

EPISÓDIO Nº 12


No outro dia, às dez da manhã, saiu o enterro, com grande acompanhamento. Não havia bloco nem rancho naquela manhã de segunda-feira de Carnaval capaz de comparar-se em importância e animação com o funeral de Vadinho. Nem de longe.

- Espie…pelo menos espie pela janela…- disse dona Norma a Zé Sampaio, desistindo de arrastá-lo ao cemitério - …espie e veja o que é o enterro de um homem que sabia cultivar relações, não era um bicho do mato como você…Era um capadócio, um jogador, um viciado, sem eira nem beira e, entretanto, veja…Quanta gente e quanta gente boa…E isso num dia de Carnaval…Você, seu Sampaio, quando morrer não vai ter nem quem segure a alça do caixão…

Zé Sampaio não respondeu nem olhou pela janela. Metido num pijama velho, na cama, com os jornais da véspera, apenas gemeu um fraco gemido e meteu o dedo grande na boca. Era um doente imaginário, tinha um medo desatinado da morte, horror de visitas a hospitais, de sentinelas e enterros, e naquele momento encontrava-se à beira do enfarte. Assim vinha desde a véspera, desde que a esposa lhe informara ter o coração de Vadinho estourado de repente.

Passara uma noite de cão a esperar a explosão das coronárias, rolando na cama em suores frios, a mão comprimindo o peito esquerdo.

Dona Norma, colocando sobre a cabeça de formosos cabelos castanhos um xaile negro, apropriado para a ocasião, completou impiedosa:

- Eu, se não tiver pelo menos quinhentas pessoas em meu enterro, vou me considerar uma fracassada na vida. De quinhentos para cima…

Partindo desse princípio, Vadinho devia considerar-se plenamente vitorioso e realizado. Pois meia Bahia viera a seu funeral e até o negro Paranaguá Ventura abandonara seu soturno covil e ali estava, o terno branco brilhando de espermacete, gravata negra e laço na manga esquerda, rosas vermelhas na mão. Preparava-se para segurar uma alça do caixão e, ao dar os pêsames a dona Flor, resumiu o pensar de todos na mais breve e bela oração fúnebre de Vadinho:

- Era um porreta!



INTERVALO


BREVE NOTÍCIA (Aparentemente Desnecessária) DA POLÉMICA TRAVADA EM TORNO DA AUTORIA DE ANÓNIMO POEMA A CIRCULAR, DE BOTEQUIM EM BOTEQUIM, NO QUAL O POETA CHORAVA A MORTE DE VADINHO – REVELANDO-SE AQUI E POR FIM
A VERDADEIRA IDENTIDADE DO IGNOTO BARDO, À BASE DE PROVAS CONCRETAS:
ROBATO FILHO.

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