sexta-feira, janeiro 29, 2010


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS


EPISÓDIO Nº 31



Flor, porém, não parecia preocupada com namoro ou noivado. Nas festinhas, dançava com uns e com outros, ouvia os galanteios, sorria agradecida, não ia além disso. Não correspondeu nem mesmo aos apaixonados apelos de um doutorando em medicina, um paraense alegre, festeiro e almofadinha. Não lhe deu corda, apesar da excitação de uma dona Rozilda em fúria que a fizesse mudar de opinião. A mãe entrou em pânico; iria repetir-se o caso de Rosália, revelando-se Flor igual à irmã, obstinada, disposta a resolver por conta própria sobre noivo e casamento? Quando pensava ter na filha mais nova a repetição da natureza do finado Gil, curvada á sua vontade, lá saía ela a antipatizar com o doutorzinho às vésperas do diploma, filho de pai latifundiário no Pará, dono de navio e ilhas, de seringais, matas de castanheiros, tribos de índios selvagens e rios imensos. Recamado de ouro. Dona Rozilda partira a informar-se e, na volta, após ouvir alguns conhecidos, já se fazia na Amazónia a reinar sobre léguas de terra, a mandar e desmandar em caboclos e índios.

Finalmente aparecera o príncipe encantado, não fora inútil sua espera, nem seu sacrifício mal empregado. Num navio do rio Amazonas aportaria ela nas soberbas casas da Barra, nos trancados palacetes da Graça, os donos a cortejá-la em salamaleques e adulações.

Flor sorria com o seu delicado rosto redondo, cor de mate, sorria com as Formosas covinhas na face, com os olhos surpresos, repetia com sua voz cansada, voz de dengo e de madorna:

- Não gosto dele… é feio como a necessidade…

“Que diabo ela pensava?”, dona Rozilda subia a serra. Flor estava agindo como se o casamento fosse questão de gostar ou não gostar, como se houvesse homem feio e bonito, como se pretendente igual a Pedro Borges andasse sobrando pela Ladeira do Alvo.

- O amor vem com a convivência, minha condessa de titica, com os interesses em comum, com os filhos. Basta que não haja antipatia. Você tem raiva dele?

- Eu? Não, Deus me livre. Ele é até bonzinho. Mas só caso com homem que eu ame…Esse Pedro é um bicho de feio… - Flor devorava romances da Biblioteca das Moças, apetecia-lhe um rapaz pobre e bonito, atrevido e loiro.

Espumava dona Rozilda de raiva e excitação; a voz esganiçada cruzando a rua, transmitindo os ecos da disputa a todos os vizinhos:

- Feio? Onde já se viu homem feio ou bonito? A beleza do homem, desgraçada não está na cara desgraçada, está no carácter, na sua posição social, em suas posses. Onde já se viu homem rico ser feio?

Quanto a ela, não trocava o feioso Borges (e até não era tão horrível assim, a cara um pouco espinhosa, é verdade) por toda essa caterva de moleques atrevidos e insolentes do Rio Vermelho, sem tostão no bolso, sem onde cair mortos, uns vagabundos. O doutor Borges – antecipava-lhe o título – era moço de bem, via-se logo em seus modos, de família distinta do Pará, distinta e podre de rica. Ela, dona Rozilda, tinha sabido: a residência deles em Pará era um palácio, só de criados mais de uma dúzia.

Uma dúzia, ouviu, filha ruim, caprichosa e tola, fátua e absurda. Todos os pisos de mármore, de mármore as escadarias. Estendia as mãos, teatral:

- Onde já se viu homem rico ser feio?

Flor sorria, as covinhas do rosto eram uma lindeza, não tinha pressa em casar. Tapava a boca da mãe:

- A senhora fala como se eu fosse mulher dama para medir os homens pelo dinheiro…Não gosto dele, se acabou…

A luta entre dona Rozilda, irritada e irritante, num nervosismo de doente e Flor, serena como se nada estivesse acontecendo, peleja da qual Pedro Borges era objectivo e prémio, atingiu o ápice quando das festas de formatura no fim daquele ano. O doutorando as convidara para o acto
solene e para o baile.

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