DONA FLOR
E SEUS DOIS
MARIDOS
EPISÓDIO Nº 35
Mirandão olhava complacente os dançarinos, aplaudia com a cabeça a execução de Joãozinho – batuta! – sorrindo para a vizinha, constatando a absoluta ausência de qualquer outro penetra, além dele e de Vadinho. Nenhum outro herói! – penetrar na festa do Major Tiririca (como os moleques do Rio Vermelho haviam apelidado o bravo Pergentino) era proeza impossível, motivo de apostas e desafios. Mirandão confessava-se realizado: finalmente havia conseguido, ele e Vadinho, furar a barreira estabelecida pelo Major e obter que a pesada porta de carvalho, trancada a chave, única passagem a abrir-se para os convidados e só para os convidados – todos eles de rostos familiares para os donos da casa, amizades de longa data – obter que se abrisse para e para Vadinho e lhes desse entrada. E não só isso; sendo os dois acolhidos aos braços do Major e por dona Aurora, sua esposa, ainda mais ciosa da qualidade e identidade dos convivas do marido. Lá fora, no sereno animadíssimo, os gabirus amargaram a derrota ao vê-los penetrar, após breve troca de palavras com o Major Tirica, cruzando a intransponível soleira por entre ruidosas exclamações de dona Aurora. Como o haviam conseguido?
Mirandão suspirou de bucho farto, num sorriso beato. Lá ia Vadinho pela sala, a bailar, a dama linda em seus braços, morena rechonchuda, servida de carnes – e quem gosta de ossos é cachorro – com uns olhos de azeite e uma pele cobreada, cor de chá, formosa de ancas e de seios.
- Pedaço de descaminho, perdição de morena! – louvou Mirandão apontando a moça a dançar com o amigo.
O estupor pôs em guarda, alteou o busto seco, ganiu com voz batalhadora:
- É minha filha…
Mirandão nem se alterava:
- Pois receba meus parabéns, minha senhora. Vê-se logo que é moça direita, de família. O meu amigo…
- O moço que está dançando com ela é seu amigo?
- Se é meu amigo? Íntimo, minha senhora, fraterno…
- E quem é ele, eu poderia saber?
Mirandão endireitou-se da cadeira, puxou do bolso o lenço perfumado, enxugou umas gotas de suor na testa larga, cada vez mais sorridente e feliz: nada havia que ele tanto gostasse como de armar uma patranha, uma história bem divertida.
- Permita-me que antes me apresente: doutor José Rodrigues de Miranda, engenheiro agrónomo, requisitado no Gabinete do Delegado Auxiliar… - estendia a mão, cordialíssimo.
Num último assomo de desconfiança, dona Rozilda mediu o interlocutor com um olhar hostil. Mas a fisionomia pachola e o franco sorriso de Mirandão apagavam qualquer suspeita, rompiam qualquer resistência, desarmava e conquistavam qualquer adversário, mesmo maligno e ranheta como dona Rozilda.
E SEUS DOIS
MARIDOS
EPISÓDIO Nº 35
Mirandão olhava complacente os dançarinos, aplaudia com a cabeça a execução de Joãozinho – batuta! – sorrindo para a vizinha, constatando a absoluta ausência de qualquer outro penetra, além dele e de Vadinho. Nenhum outro herói! – penetrar na festa do Major Tiririca (como os moleques do Rio Vermelho haviam apelidado o bravo Pergentino) era proeza impossível, motivo de apostas e desafios. Mirandão confessava-se realizado: finalmente havia conseguido, ele e Vadinho, furar a barreira estabelecida pelo Major e obter que a pesada porta de carvalho, trancada a chave, única passagem a abrir-se para os convidados e só para os convidados – todos eles de rostos familiares para os donos da casa, amizades de longa data – obter que se abrisse para e para Vadinho e lhes desse entrada. E não só isso; sendo os dois acolhidos aos braços do Major e por dona Aurora, sua esposa, ainda mais ciosa da qualidade e identidade dos convivas do marido. Lá fora, no sereno animadíssimo, os gabirus amargaram a derrota ao vê-los penetrar, após breve troca de palavras com o Major Tirica, cruzando a intransponível soleira por entre ruidosas exclamações de dona Aurora. Como o haviam conseguido?
Mirandão suspirou de bucho farto, num sorriso beato. Lá ia Vadinho pela sala, a bailar, a dama linda em seus braços, morena rechonchuda, servida de carnes – e quem gosta de ossos é cachorro – com uns olhos de azeite e uma pele cobreada, cor de chá, formosa de ancas e de seios.
- Pedaço de descaminho, perdição de morena! – louvou Mirandão apontando a moça a dançar com o amigo.
O estupor pôs em guarda, alteou o busto seco, ganiu com voz batalhadora:
- É minha filha…
Mirandão nem se alterava:
- Pois receba meus parabéns, minha senhora. Vê-se logo que é moça direita, de família. O meu amigo…
- O moço que está dançando com ela é seu amigo?
- Se é meu amigo? Íntimo, minha senhora, fraterno…
- E quem é ele, eu poderia saber?
Mirandão endireitou-se da cadeira, puxou do bolso o lenço perfumado, enxugou umas gotas de suor na testa larga, cada vez mais sorridente e feliz: nada havia que ele tanto gostasse como de armar uma patranha, uma história bem divertida.
- Permita-me que antes me apresente: doutor José Rodrigues de Miranda, engenheiro agrónomo, requisitado no Gabinete do Delegado Auxiliar… - estendia a mão, cordialíssimo.
Num último assomo de desconfiança, dona Rozilda mediu o interlocutor com um olhar hostil. Mas a fisionomia pachola e o franco sorriso de Mirandão apagavam qualquer suspeita, rompiam qualquer resistência, desarmava e conquistavam qualquer adversário, mesmo maligno e ranheta como dona Rozilda.
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