terça-feira, fevereiro 23, 2010


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS


EPISÓDIO Nº 52





Mar de rosas, francos horizontes, azul cerúleo, a paz do mundo e sua doçura, Flor e Vadinho namorados. De súbito a borrasca, o temporal, céu de chumbo, guerra sem quartel, a abominação, Flor e Vadinho proibidos.

Um tanto encafifado (significa: encabulado, envergonhado) por sentir-se com culpa nos acontecimentos – não fora ele que começara a montar aquele castelo de cartas, incapaz de resistir ao sopro da menor sindicância? – Mirandão com fumaças de filósofo, considerou:

- Aí está…Que garantia a gente tem? Nenhuma… Até motor de caminhão, quando se conserta, tem garantia de seis meses. A gente, quando pensa que está instalado na vida, que as coisas finalmente se acertaram, aí emboceta tudo, o santo cai do andor e vira lixo…

No opinar de Mirandão, Vadinho caíra do andor, o santo virara lixo, os restos espalhados nos monturos, e não havia remendo capaz de restaurar o conceito de demissionário oficial de gabinete ante dona Rozilda. Conceito aliás igualmente comprometido junto a Flor, como haveria ela de aceitar ainda o patoqueiro que a engabelara? Mirandão conhecia essas pessoas mansas e suaves: quando abusadas em sua confiança, crescem em obstinado orgulho, não voltam atrás.

- Quando empombam, empombam de vez… - concluía pessimista.

Vil, ordinário, abjecto, infame sujeito! Dona Rozilda achava a língua pobre de expressões suficientemente varonis e vigorosas para rotular tão baixo espécie humana – ainda na véspera o pretendente ideal, santo no andor, todo enfeitado de elogios. Sua filha podia até casar com um soldado da polícia, até com um criminoso de morte, de sentença passada no júri, cumprindo pena na cadeia, jamais com o miserável canalha.

Recolhendo pelas imediações do Alvo essas cruas opiniões, Mirandão balançara a cabeça pesaroso e realista: se Vadinho pensava em prosseguir o namoro é porque não entendia nada de mulheres. Sempre tão ladino, agora cego pela paixão, não se dava conta da realidade: desbundara tudo. Mirandão, aflito, reclamou um novo trago no Bar triunfo: para suportar tanta comoção.

A Vadinho pouco importava restaurar seu conceito ante dona Rozilda, aplacar sua fúria, velha levada dos diabos, bruaca intolerável, um purgante.

Não admitia, porém, romper com Flor, perder seu riso manso, sua quieta ternura, seu machucado suspiro. Ao contrário, agora decidira casar-se com ela. Afinal, em tudo aquilo, só havia de sério o carinho, a compreensão, o bem-querer, aquele amor dos dois; o resto não passava de tola brincadeira. De quem gostava Flor: dele, Vadinho, de sua pessoa, ou do cargo inventado, da posição que não exercia, do dinheiro que não tinha?

Naquela história só uma coisa o desgostava: haver sido desmascarado por Célia, sua protegida, aquela penetra agora professora pública devido à sua interferência. Fora ela a fazer todo o fuzuê, a desenrolar o novelo, a denunciá-lo a dona Rozilda. Chegara ofegante ao primeiro andar, numa excitação tamanha a ponto de quase perder a voz. Num tal contentamento, só se vendo.

“Alguém muito elevado?” Jamais subira o vigarista as escadas do Palácio, o único palácio que ele conhecia, e a esse conhecia bem, era o Pálace, antro de jogo e perdição, assim de mulher-dama…

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