quinta-feira, fevereiro 04, 2010


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
EPISÓDIO Nº 36



PARÊNTESIS COM CHIMBO E COM RITA DE CHIMBO


Naquele dia, ao fim da tarde, quando maior o mormaço, uma atmosfera espessa, de cimento armado, estando Vadinho e Mirandão em São Pedro, no Bar Alameda, a tomar as primeiras cachaças do dia, discutindo planos para a noite de festa no Rio Vermelho, eis que na porta do botequim viram surgir a afogueada face de Chimbo, aquele parente importante de Vadinho, na ocasião comissionado como Delegado Auxiliar, ou seja, a segunda pessoa da polícia.

Escrivão de casamentos e filho de prestigioso político governista, sem respeito pela tradicional autoridade do pai, sem ligar para as conveniências, esse distante primo de Vadinho, Guimarães dos legítimos e ricos, era um estroina, folgazão inveterado, bom no trago, nos dados e nas putas – para tudo dizer: uma porra-louca. Ultimamente um pouco retraído, forçando sua natureza espontânea, em atenção ao cargo. Cargo no qual, por isso mesmo, pouco duraria, preferindo sua liberdade às posições, não a trocava pela mercê mais alta, por título algum.

Já anteriormente desistira do governo de Belmonte, cidade de seu nascimento, onde fora empossado intendente pelo pai, senador e feudal, após um simulacro de eleição. Abandonou o posto e título, deveres e vantagens, era demasiado o preço a pagar. Não se contentavam os belmontenses com suas reais qualidades administrativas, exigiam do seu governador ilibados costumes, em intolerável abuso.

Fora um zum-zum-zum dos diabos, um escândalo sem medida só porque ele, audaz e progressista, importara da Bahia algumas amenas raparigas, no desejo de romper a monotonia da pequena cidade e sua solidão.

Fizera vir Rita de Chimbo, prestigiosa animadora da noite no Tamariz. De Chimbo apelidada devido a antigo e persistente rabicho a uni-los, xodó cantado em prosa e verso pelos boémios. Brigavam, xingavam-se, separavam-se para sempre e dias depois faziam as pazes, permaneciam em seu idílio, enrabichados. Por isso juntara Rita a seu nome o apelido de seu amor, assim como a noiva adopta o sobrenome do noivo no acto do matrimónio. Ao sabê-lo intendente, senhor de baraço e cutelo a exercer direito de vida e morte sobre indefesa população, exigiu, em mensagem telegráfica, compartir de sua autoridade. Que prazer no mundo se pode comparar ao do mando, ao do poder? Queria saboreá-lo, a voluptuosa Rita. Chimbo solitário nas noites de Belmonte, longas de nada por fazer, vazias de um tudo, escutou a súplica ardente, mandou buscar a rapariga.

Chimbo intendente, rei em sua cidade, Rita de Chimbo não podia nesse império desembarcar como uma qualquer, era a favorita, a concubina real. Eis por que convidou para seu cortejo três beldades, diversas entre si mas excelentes as três: Zuleika Marron, mulata de capricho e deboche, suas ancas de saracoteio fechavam as ruas, atropelavam os pedestres; Amália Fuentes, enigmática peruana de voz macia, com tendências místicas, e Zizi Culhudinha, uma espiga de milho, frágil e dourada, sapeca como ela só.

Esta restrita e formosa caravana, pesa dizê-lo!, não teve em Belmonte a entusiástica acolhida a que fazia jus, ao contrário, foi alvo de aberta hostilidade por parte das senhoras e mesmo de cavalheiros. Se exceptuarmos certos grupos sociais – os imberbes estudantes, os escassos notívagos, os cachaceiros em geral – e alguns indivíduos, cabe
afirmar ter-se mantido a população arredia e suspeitosa.

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