DONA
FOR
E SEUS DOIS
MARIDOS
EPISÒDIO Nº40
Como triunfaram e, logo após o triunfo, tão lamentavelmente fracassaram? Se bem seja outra história, vale a pena contá-la para assim ainda mais valorizar-se o feito de Vadinho e Mirandão. Por aquele tempo havia aportado à Bahia, com muito reclame nas gazetas, para dois únicos espectáculos no Conservatório, um extravagante concertista a manejar instrumento ainda mais singular: um serrote, tão melodioso quanto o mais afinado piano. Tratava-se de um russo, de nome estrambólico, “o russo do serrote mágico”, como anunciavam os cartazes de propaganda e as notícias dos jornais. Édio possuía velho serrote de carpina, e Lev, filho de russo, o nome estrambólico. Doidos os dois por uma boa molecagem, embrulharam o serrote em papel pardo, engoliram umas cachaças para animar, apresentaram-se à porta do Major como o russo do serrote e seu empresário.
O Major Tiririca possuía um sexto sentido quando se tratava de penetras, percebia-os no ar, à distância. Bateu os olhos em Lev e Édio e uma voz interior deu-lhe o alarme. Mas Já os convidados ao anúncio da presença do “russo do serrote mágico”, saudavam entusiasmados a possibilidade de ouvi-lo tocar.
Em silêncio, curtido de dúvidas, o Major abriu a porta, permitindo a entrada aos dois malandrins. Ficou, porém a vigiá-los. Encostaram eles o serrote atrás de um móvel, o Major comprovou a avidez com que se dirigiram à sala de jantar, a pressa em comer e beber. Trocando um olhar com dona Aurora, a quem igualmente aquela encenação não parecia muito católica, exigiu então o Major, apoiado pela totalidade dos convidados ansiosos, imediata demonstração musical. Primeiro o concerto, depois a pitança. Por mais tentasse Édio com um conversê tapeativo, adiar o momento do desastre, não o conseguiu, não obteve prazo nem apelação.
Ao demais, por qualquer estranha metamorfose, Lev sentira-se de súbito inspirado, vivia seu papel de forma tão realista a ponto de considerar-se o verdadeiro russo dos concertos.
Assim, sem mais se fazer rogar, tomou do velho serrote, entre palmas e bravos. Foi tão perfeito - curvada em ângulo sua magra e comprida anatomia, a cabeleira desfeita, os olhos no astral, um autêntico maestro – que a todos enganou, fazendo vacilar mesmo o Major e dona Aurora, enquanto não feriu, uma colher de café, o bojo do serrote. Mas apenas lhe aplicou o primeiro golpe e – como depois Édio contaria – todos os presentes, sem excepção, compreenderam tratar-se de uma farsa. Só Lev persistia, cada vez mais autêntico e possuído, a vibrar colheradas no serrote, sem que o Major, esposa e convidados demonstrassem a menor simpatia por tanto empenho e arte.
O Major adiantou-se, seguido por alguns amigos, os mais sensíveis a tais brincadeiras de mau gosto. A travessia do corredor, a caminho da porta da rua foi longa e épica, verdadeiramente inesquecível, Édio e Lev a recordariam vida afora. Pescoções, pontapés, esbarros e quedas. Dona Aurora desejava arrancar os olhos dos dois rapazes, o Major contentou-se em atirá-los para a rua, em meio ao povo do sereno (e em cima dos corpos caídos jogaram o serrote cada vez menos sonoro).
Com Vadinho e Mirandão nada disso sucedera, nem o Major nem dona Aurora tiveram a mais leve suspeita. Comeram e beberam do bom e do melhor. Vadinho arrastando pé de valsa pela sala, Mirandão a interrogar-se se devia ou não erguer, em nome de Chimbo, um brinde ao Major e a dona Autora. Sorria na cadeira, ouvindo dona Rozilda perguntar quem era o moço dançarino, cavalheiro de sua filha. Para obter maior efeito, respondeu com outra pergunta:
- O Major não lhe apresentou?
- Não. Eu estava lá dentro, não vi quando ele chegou.
- Pois, estimada senhora, tenho o prazer de lhe informar. Trata-se do doutor Waldomiro Guimarães, sobrinho do doutor Aírton Guimarães, Delegado Auxiliar, neto do Senador…
- Não me diga que é do Senador Guimarães, esse tão falado…
FOR
E SEUS DOIS
MARIDOS
EPISÒDIO Nº40
Como triunfaram e, logo após o triunfo, tão lamentavelmente fracassaram? Se bem seja outra história, vale a pena contá-la para assim ainda mais valorizar-se o feito de Vadinho e Mirandão. Por aquele tempo havia aportado à Bahia, com muito reclame nas gazetas, para dois únicos espectáculos no Conservatório, um extravagante concertista a manejar instrumento ainda mais singular: um serrote, tão melodioso quanto o mais afinado piano. Tratava-se de um russo, de nome estrambólico, “o russo do serrote mágico”, como anunciavam os cartazes de propaganda e as notícias dos jornais. Édio possuía velho serrote de carpina, e Lev, filho de russo, o nome estrambólico. Doidos os dois por uma boa molecagem, embrulharam o serrote em papel pardo, engoliram umas cachaças para animar, apresentaram-se à porta do Major como o russo do serrote e seu empresário.
O Major Tiririca possuía um sexto sentido quando se tratava de penetras, percebia-os no ar, à distância. Bateu os olhos em Lev e Édio e uma voz interior deu-lhe o alarme. Mas Já os convidados ao anúncio da presença do “russo do serrote mágico”, saudavam entusiasmados a possibilidade de ouvi-lo tocar.
Em silêncio, curtido de dúvidas, o Major abriu a porta, permitindo a entrada aos dois malandrins. Ficou, porém a vigiá-los. Encostaram eles o serrote atrás de um móvel, o Major comprovou a avidez com que se dirigiram à sala de jantar, a pressa em comer e beber. Trocando um olhar com dona Aurora, a quem igualmente aquela encenação não parecia muito católica, exigiu então o Major, apoiado pela totalidade dos convidados ansiosos, imediata demonstração musical. Primeiro o concerto, depois a pitança. Por mais tentasse Édio com um conversê tapeativo, adiar o momento do desastre, não o conseguiu, não obteve prazo nem apelação.
Ao demais, por qualquer estranha metamorfose, Lev sentira-se de súbito inspirado, vivia seu papel de forma tão realista a ponto de considerar-se o verdadeiro russo dos concertos.
Assim, sem mais se fazer rogar, tomou do velho serrote, entre palmas e bravos. Foi tão perfeito - curvada em ângulo sua magra e comprida anatomia, a cabeleira desfeita, os olhos no astral, um autêntico maestro – que a todos enganou, fazendo vacilar mesmo o Major e dona Aurora, enquanto não feriu, uma colher de café, o bojo do serrote. Mas apenas lhe aplicou o primeiro golpe e – como depois Édio contaria – todos os presentes, sem excepção, compreenderam tratar-se de uma farsa. Só Lev persistia, cada vez mais autêntico e possuído, a vibrar colheradas no serrote, sem que o Major, esposa e convidados demonstrassem a menor simpatia por tanto empenho e arte.
O Major adiantou-se, seguido por alguns amigos, os mais sensíveis a tais brincadeiras de mau gosto. A travessia do corredor, a caminho da porta da rua foi longa e épica, verdadeiramente inesquecível, Édio e Lev a recordariam vida afora. Pescoções, pontapés, esbarros e quedas. Dona Aurora desejava arrancar os olhos dos dois rapazes, o Major contentou-se em atirá-los para a rua, em meio ao povo do sereno (e em cima dos corpos caídos jogaram o serrote cada vez menos sonoro).
Com Vadinho e Mirandão nada disso sucedera, nem o Major nem dona Aurora tiveram a mais leve suspeita. Comeram e beberam do bom e do melhor. Vadinho arrastando pé de valsa pela sala, Mirandão a interrogar-se se devia ou não erguer, em nome de Chimbo, um brinde ao Major e a dona Autora. Sorria na cadeira, ouvindo dona Rozilda perguntar quem era o moço dançarino, cavalheiro de sua filha. Para obter maior efeito, respondeu com outra pergunta:
- O Major não lhe apresentou?
- Não. Eu estava lá dentro, não vi quando ele chegou.
- Pois, estimada senhora, tenho o prazer de lhe informar. Trata-se do doutor Waldomiro Guimarães, sobrinho do doutor Aírton Guimarães, Delegado Auxiliar, neto do Senador…
- Não me diga que é do Senador Guimarães, esse tão falado…
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