sábado, março 27, 2010


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS


EPISÓDIO Nº 79



Sentadas dona Norma e dona Flor, fez-se um breve silêncio mas logo Dionísia o encheu com a sua voz macia. Desenvolveu-se para o lado do dia tão bonito, queixando-se de ainda não poder sair rua afora:

- Não sei ficar em casa quando a chuva lava a cara do dia e ele reluz novo em folha, todo faceiro…

Dona Norma também não; e assim foram as duas falando do sol e da chuva e das noites de luar em Itapoã, ou no Cabula, e nem se sabe como desembarcaram no Recife, onde habitava uma irmã de dona Norma, casada com um engenheiro pernambucano, e onde Dió residira alguns meses:

- Para mais de sete meses, fui atrás de um clandestino, um que me alumbrou a vista, um desatinado. Me largou por lá…

Onde não chegariam as duas, a que distantes portos, nesse diálogo sem compromisso nem consequência – a conversa pelo prazer da conversa – se dona Flor, ouvindo o carrilhão de uma Igreja do Terreiro a anunciar a hora do meio-dia, não se alarmasse, interrompendo a amável prática:

- Norminha, assim a gente vai demorar muito…

- Por mim não me atrapalha, é um prazer… - disse Dionísia.

Noutra ocasião a gente vem com mais tempo – prometeu dona Norma – Hoje a gente veio com um propósito…

- Estou ouvindo…

- Essa minha amiga, dona Flor, não tem filho nem pode ter. É coisa mesmo de conformação, enfim…

- Sei como é. Tem o oveiro virado, não é?

- Mais ou menos…

- Mas pode desvirar, Marildes, uma conhecida minha, desvirou.

- Com Flor não tem jeito, o médico já disse.

- Médico? – riu uma risada divertida, de pouco-caso – Médico só sabe dizer palavra bonita e ter caligrafia ruim. Se dona moça aí procurar Paizinho, ele dá jeito em dois tempos. Que é que acha, seu João?

João Alves apoiou:

- Paizinho? Faz uns passes na barriga dela, é filho todo o ano.

Dona Norma resolveu desconhecer o novo assunto, evitar o feiticeiro com toda a sua fama, sua reputação de babalaô. Pousara o olhar na criancinha adormecida. Não seria melhor, primeiro tirar a limpo, saber se era realmente filho de Vadinho? Pois tão escura assim, não parecia. Mas dona Flor precipitava a conversa, elevando a voz naquela obstinada decisão dos tímidos:

- Vim aqui para falar de um assunto sério, para lhe fazer uma proposta e ver se a gente chega a um acordo.

- Pois fale, dona moça, que do meu lado faço de meu melhor para lhe atender.

- O menino… - disse dona Flor e ficou sem saber como prosseguir.

Dona Norma retomou a palavra:

- Você teve o menino faz dias, não é?

Dionísia olhou o filho, sorriu numa alegre confirmação.

Site Meter