domingo, abril 11, 2010

DONA


FLOR


E SEUS


DOIS


MARIDOS




EPISÓDIO Nº 91



Ao enxergar dona Flor de olhos húmidos, comentou a triste nova: pobre dona Ângela. Vinha de saber, encontrara Vadinho e o Cigano, ia vender o esquife praticamente sem lucro. Dona Ângela merecia: uma escrava no trabalho e sempre jovial, pessoa óptima. Seu Vivaldo fora uma vez, com Vadinho, honrar-lhe a feijoada…

Só então dona Dinorá e as outras comadres ligaram palavras e gestos, o dinheiro mudando de mão nas sombras do crepúsculo. Assim o disseram, pelo menos; acredite quem quiser.

Despediu-se seu Vivaldo com o compromisso de vir provar o prato espanhol, a receita custara-lhe esforço e propina: tivera de corromper a ama dos Taboadas, sua Antonieta era ciosa dos seus segredos culinários.

Dona Flor conhecera dona Ângela naqueles inesquecíveis dias finais do namoro, às vésperas do casamento, quando passava as tardes com Vadinho na casinha clandestina de Itapoã. O estroina dono da casa, durante o dia ocupado com os seus negócios de fumo, para as mulheres reservava as noites, as horas mortas da madrugada.

Sucedeu, porém, de passagem pela Bahia, uma carioca sensacional, com apenas uma tarde livre. Vadinho recebeu um recado para não utilizar naquele dia o discreto endereço.

No táxi, discutiram onde ir. Ela refugou o cinema, a matiné de indiscreta bolinagem; a um castelo ele não podia levar a sua esposa. Visitar tia Lita no Rio Vermelho? E se dona Rozilda aparecesse por lá? Cigano propôs irem ver dona Ângela que já demonstrara desejo de conhecer a noiva de Vadinho. Passaram a tarde com a gorda lavadeira, a conversar e a tomar café, Vadinho num assanhamento de beijos, dona Flor toda acanhada. Dona Ângela encantou-se com a moça, fez um discurso de alerta e compaixão:

- Vai casar com esse maluco… Deus lhe proteja e dê paciência, que muito vai precisar. Jogador é a pior nação do mundo, minha filha. Vivi para mais de dez anos com um…igualzinho a esse daí… De cabelo loiro como ele, branco de olho azul… Perdido pelo jogo, punha tudo fora. Até um medalhão que minha mãe me deixou, o maluco vendeu para enterrar o dinheiro no vício. Perdia tudo e ainda ficava brabo, vinha gritar comigo, me dar pancada…

- Lhe dava pancada? – a voz tensa de dona Flor.

- Quando bebia demais até bater ele me batia… Mas só quando bebia demais…

- E a senhora suportava? Isso eu não admito… De nenhum homem…

- Dona Flor estremecia de pavor só ao pensar: - Nunca hei-de admitir.

Dona Ângela sorriu compreensiva e experiente; dona Flor era ainda tão menina, nem começara a viver:

- Que é que eu podia fazer se gostava dele, se era minha sina? Ia largar ele sozinho nessa vida agoniada, sem ter quem cuidar dele? Era chofer como Cigano, só que trabalhava para os outros, de comissão. Nunca juntou dinheiro para dar de entrada num carro, o desperdiçado. O que eu juntava, ele perdia, tomava nem que fosse a pulso. Morreu de desastre, tudo o que deixou foi o filho pequeno para eu criar… - olhava dona Flor com afecto e pena: - Mas vou lhe dizer uma coisa, minha filha… Se ele me aparecesse de novo eu me juntava com ele outra vez. Morreu, nunca mais quis saber de outro homem, e olhe que não me faltou proposta, até de casamento. Eu gostava dele, que é que eu podia fazer, me diga, minha filha, se era minha sina?

“Era minha sina eu gostava dele”… Que é que dona Flor podia fazer? “Me diga, Norminha, que é que eu posso fazer? Esvaziar as malas, vestir-se de negro para ir ao velório de dona Ângela. “Que é que eu posso fazer, se é minha sina, se eu gosto dele?”

Dona Norma a acompanharia, sim. Era chegada dona Norma a um bom velório. Com lágrimas, soluços, flores roxas, velas acesas, cerimoniosos abraços de pêsames, orações, histórias e lembranças, anedotas e risos, um café bem quente, uns biscoitos, um trago pela madrugada; nada igual a uma sentinela.

Mudo o vestido num minuto…

“Que posso fazer, me diga, Norminha, se ele é minha sina? Largar ele por aí, sozinho, sem ter
quem cuide dele? Que posso fazer, se eu sou doida por ele e sem ele
não saberia viver?

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