sábado, maio 22, 2010


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS


EPISÓDIO Nº 126


Um único defeito: só era solteiro no religioso, no civil era casado. Dera-se mal com a esposa, dela se separara há mais de dez anos. Quando moço, maçon e anticlerical, desdenhou do matrimónio na Igreja, mas agora se dispunha a aceitá-lo, se a noiva fizesse questão. Por que não se daria satisfeita dona Flor com o casamento no padre, para muita gente, aliás, o único válido, por contar com a bênção de Deus, não passando o acto civil de simples contrato firmado ante o juiz, quase um negócio? Dona Enaide até já escrevera ao parente carta cheia de loas à beleza e à bondade de dona Flor. “Mulher maluca, se eu não quero casar menos hei de querer amigar, com ou sem a bênção de Deus”. E ainda por cima para viver no confins do Judas, nas margens do rio São Francisco e da maleita.

Fingia-se dona Flor de indignada: afinal dona Enaide, dizendo-se sua amiga, vinha do Xame-Xame lhe propor a vergonha e o degredo. Um pagode tudo aquilo, para rir e nada mais.

Cada candidato tinha algumas características a aparentá-lo com o modelo de dona Dinorá. O Príncipe, porém, era de todos o menos parecido: nem dinheiro, nem título de doutor, nem a idade, nem robustez e altura. Quando se materializou na rua, a medir com seu trêfego andar o passeio do sobrado do argentino, em face às janelas da Escola de Culinária Sabor e Arte, dona Flor atribuiu a poética aparição a namoro de aluna jovem ou arranjo de casada salafrária.

Era comum uma das moças chegar de namorado em punho, retornando o suspirando à esquina antes do fim da aula, para conduzir de volta a melindrosa.

Outras, casadas, serviam-se da escola como abertura para a descaração, para atarraxar um par de chifres na testa dos maridos, utilizando o cómodo horário da classe em melhor folguedo. Compareciam a uma aula, gazeavam a seguinte ou bem assistiam ao começo das lições, quando dona Flor ditava e elas transcreviam em cadernos os ingredientes dos quitutes, com isso fazendo em casa prova de frequência e aplicação. Em verdade, meia hora na escola, hora e meia no castelo.

Assim, ao vê-lo langoroso junto ao poste, fumando sem cessar, à espera, dona Flor o imaginou xodó de qualquer das moças, de uma das mais jovens
com certeza, pois ele próprio tinha a cara de garoto.

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