sexta-feira, junho 25, 2010

DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS


EPISÓDI Nº 155


A casa entupida. Gente do comércio, colegas do Clube dos Lojistas, parentes, vizinhos, amigos de dona Norma, formando grupos nas salas e na varanda. Repleta também a cozinha de afilhados e comadres de dona Norma, a pobreza dos arredores. Num canto da sala de jantar, próximo à mesa principal, o aniversariante, seu Zé Sampaio, comia com avidez e pressa, lançando olhares de soslaio para a mesa, no temor absurdo de acabar a comida antes dele repetir o prato. Meio escondido para que não viessem puxar conversa, perturbando-o. Mas o argentino Bernabó, os lábios amarelos do dendê, em arrotos fartos, dava os parabéns ao dono da casa:

- Macanudo, amigo. La comida, deliciosa…

Dona Flor ajudara por algum tempo dona Norma e as empregadas (todas as empregadas da vizinhança), mas ao diminuir o movimento, obtivera uma cadeira num canto da varanda, dali acompanhando a agitação do jantar: seu Vivaldo, da funerária, ia pelo quarto prato; doutro Ives empanturrava-se de sobremesas.

Seu Aluísio, de palito na boca, veio se aproximando, como quem não quer nada, até encostar-se no muro da varanda ao lado de dona Flor:

- Festim romano… - sentenciou ele.

Dona Flor por um instante decidiu não responder, mas afinal o fez; não tinha motivos para tanta desconsideração ao tabaréu.

- Norminha, quando dá um jantar, não mede a comida…

Seu Aluísio olhava para os lados, deixando a conversa morrer, sem continuidade; dona Flor voltada para o movimento da sala. Foi quando ela ouviu o cicio da voz do notário em surdina:

- Beleza, me diga uma coisa…

- O quê? – assustou-se ela.

- O que é que você achava da gente cair fora daqui, ir ver o lugar na Lagoa do Abaeté? Você vai saindo, me espera no Largo…

Dona Flor já estava de pé, a voz estrangulada:

- O que está pensando de mim?

Doutor Aluísio ria de mansinho, como se ele bem soubesse do pouco valor daquela indignação, acostumado a essas primeiras e bruscas reacções.

- Um passeio, nada mais…

Dona Flor não pôde sequer responder, uma agonia a queimar-lhe a face, a oprimir-lhe o peito. Estavam assim estampados em seu rosto a ânsia de homem e o desatinado desejo? Quase correndo dirigiu-se à sala.

- O que é que você tem, Flor? – perguntou-lhe Marilda, ao vê-la assim nervosa, as mãos trémulas.

- Não sei, tive uma palpitação… Não é nada…

- Sente aqui… Vou lhe buscar um copo de água…

_ Não precisa, vou sentar ali com sua mãe…

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