sábado, junho 05, 2010

DONA
FLOR
E SEUS
DOIS

MARIDOS


EPISÓDIO Nº 138



Quanto a dona Flor, nem parecia a mesma; ria sem controle nem piedade do velho gaiteiro aos tropeços pela roda da ciranda, tentando ainda assim roubar-lhe, do véu de noiva, as flores virginais da laranjeira. Bela morena no maior deboche, dona flor, com outra umbigada terminou de vez e para sempre as pretensões do professor ao seu cabaço.

Pois retornara dona Flor à virgindade, perdendo, porém, ao mesmo tempo, o recato e a pudicícia. Toda em branco e em rendas, filos e tafetás, na pureza do véu e da grinalda – com a saia longa e esvoaçante do vestido nupcial envolvia a ciranda inteira a prender os candidatos em seu rastro de ofertante, em seu odor de donzelice.

Com ânsia e pressa, dona Flor se propunha em casamento, a todos eles e a cada um se exibindo, como se fosse donzela já nas vascas da agonia, sem esperança de casório. Ia de marmanjo em marmanjo, convidando-os a dançar com ela na roda da ciranda, na cirandinha a cirandar em desafio e repto; qual deles capaz de lhe arrebatar as flores de laranja e a virgindade, desfolhando a grinalda e dona Flor? Com papéis de casamento, é claro, moça donzela não vai dando os três vinténs assim, sem mais nem menos.

Reptava-os com seu canto de convite e os retava com sua dança de frete, a rebolar as ancas, os quadris e o busto, em meneios lascivos de rameira, trazendo-os um a um ao centro da roda com umbigadas, como a mais oferecida das mulheres fáceis. Cínica, debochada, oferecida, tão oferecida e puta de dar nojo e pena.

Na pança de Mamede esfregando umbigo e bunda, ela a conduziu de par e cavalheiro e ele dançava no saracoteio muito do saído e inesperado em senhor tão sério. Numa das mãos um velho candelabro, na outra um penico de louça de Macau com paisagem azul de campo inglês e apenas uma invisível rachadura, peça perfeita, assim como de prata o candelabro. Barganhava as duas pela virgindade à venda, exigindo pequena volta tão-somente, alguns mil-réis, uns quatro centos e cinquenta. Como alcançar, porém, as flores se tinha as mãos ocupadas com seus bens antigos? Dona Flor dançava em torno dele, se achegando, roçando-lhe a barriga de antiquário, levantando-lhe a poeira secular dona Flor perdida em riso e zombaria.

Seu Raimundo de Oliveira até era maneiro e jeitoso para a dança. Seu dote: um cortejo de profetas, a Bíblia, santos velhos e modernos, além de animais sagrados, o jumento e os peixes; e como bonificação, as onze mil virgens com o desfalque apenas de umas três ou quatro dadas de presente a seu Alfredo, santeiro no Cabeça, e seu patrão. As demais todas intactas e perfeitas, seu Raimundo recusara por elas altas ofertas em metal sonante, de Mário Cravo, do arquitecto Lev, do engenheiro Adauto Lima, todos em busca de boas secretárias. Se possuía seu Raimundo tantas virgens, por que diabo mais uma procurava? Apetite desmedido ou interesse escuso? É assim tão grande seu castelo com tamanha freguesia? “Meu castelo é o céu, oh! dona Flor, e só quero um ósculo depositar em vossa boca de pitanga, sou um pecador antigo, venho do Velho Testamento e vou direito para o Apocalipse”. Pois vá correndo lhe disse dona Flor.

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