domingo, junho 06, 2010

DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS


Episódio Nº 139



Veio seu Aluísio, bem composto tabaréu do interior, honrado homem do sertão, muito correcto em sua dança e em sua eloquência, um finório a lhe pedir a mão com modos quase alcançando grinalda e flores, quase colhendo de dona Flor a flor agreste. Mas, dona Flor, não sendo besta, muito ao contrário, sabidíssima malandra, não se deixou engazopar e envolver pela conversa do rábula e notário, conversa de argúcia e de mesura.

- Vamos à Igreja, senhora minha, tenho tudo preparado, os banhos e a bênção episcopal, até já me sujeitei à confissão e fui absolvido dos pecados.

- Meu senhor, não me engabele, se quiser comer a peladinha venha de juiz e padre.

- Será que não chega só com padre, a bênção de Deus e da religião? De que vale a lei do homem quando temos a de Deus ao nosso alcance?

- Guarde, seu doutor, sua bênção, seu padre e sua confissão. Sem a licença do juiz, vosmicê me desculpando, sem ela não me come a peladinha, não desfolha a flor da viuvinha.

“Mina viuvinha, minha viuvinha”, assim ciciando galanteios entrou para o centro da roda o rapaz bonito, pálido e esguio, lânguido e suplicante, seu alento morno a envolvê-la, sua cantiga de amor a entontecê-la:

Tira tira o seu pezinho
Bota aqui ao pé do meu
E depois não vá dizer
Que você se arrependeu.

Dançava que nem artista de cabaré, uma dança conhecida, qual seria ela? Em volta de dona Flor sua voz de sedução:

Aproveita bela viúva
Que uma noite não é nada
Se não dormir agora
Dormirás de madrugada.

De madrugada, virgem ou viúva. De súbito, eis dona Flor sem véu de noiva, sem vestes brancas de donzela casta e casadoira, sem as flores virginais de laranjeira. Vestida agora de viúva, de luto fechado, meias cor de fumo, o resto cor de nojo,, véu cobrindo a face, mantilha na cabeça, tristeza e cinzas. Uma flor apenas, rosa de tão vermelha quase negra.

Tanto quisera seu vestido branco, seu traje de noiva – não o usara no devido tempo, não tendo mais cabaço quando subscrevera papei de casamento, flor desfolhada na viração de Itapoã.

Com os candidatos das amigas e comadres, com as visões de dona Dinorá, podia dar-se a brincadeiras, a pilhérias, dizendo-se virgem sem mácula, sem ranço, sem marca, sem toque de homem, não passava tudo aquilo de pagode para rir. Mas não com o galante moço da esquina, um príncipe, um fidalgo, parecendo tão menino e já tão rico, tanta moça a gemer e a suspirar por ele e ele gemendo e suspirando por dona Flor viúva e pobre. Com o próspero comerciante de Itabuna, bom partido para qualquer donzela quanto mais para viúva, não era possível dar-se a mofas e gracejos: sua respiração ardente penetrou-lhe a carne, cobrindo-lhe de calor a indiferença, dissolvendo-lhe o gelo, revivendo quem morta se encontrava para tais coisas e para
sempre, seu hálito refloriu o desejo murcho e
seco, perdida a paz de dona Flor.

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