DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
Ao demais, dona Flor passara o dia praticamente em função do aniversário de seu Sampaio: em sua cozinha, e com a ajuda de Marilda, preparou o vatapá – um caldeirão – e a moqueca de peixe, uma delícia, enquanto dona Norma se ocupava com os demais quitutes. Assim, convencida, dona Flor compareceu. Antes não houvesse ido, teria evitado aborrecimentos.
Quando já estava a casa cheia, as mesas sendo servidas, dona Enaide chegou do Xame-Xame, trazendo uma bandeja de quindins, uma gravata para seu Sampaio e as desculpas do marido, que, aos sábados à noite, infalível parceiro em sua roda de póquer, recusava-se a qualquer outro compromisso. Em compensação, em sua companhia veio seu Aluísio, para muitos doutor Aluísio, o comentado rábula e notário das margens do rio São Francisco, o tal solteiro pela metade, por sua parenta proposto à mão de dona Flor.
Metido em fatiota nova em folha, de mescla escura e quente, todo pimpão, nariz adunco e forte, reluzente calva, olhos vivos e perscrutadores, envolto em água-de-colónia e em talco, manequim. Dona Enaide caprichou nas apresentações, orgulhosa do cunhado influente no sertão:
- Aluísio, quero apresentar-lhe dona Flores Guimarães, a viúva mais bonita da Bahia…
- Enaide, não brinque…
Curvava-se doutor Aluísio para beijar-lhe a mão, uma onda de perfume evolando-se no ar, envolvendo dona Flor:
- Minha senhora, este é um momento emocional em minha vida. Minha cunhada já me falara em carta a seu respeito, contando maravilhas… Vejo, no entanto, que ela ficou muito aquém do modelo; só um poeta para descrevê-la, senhora…
Ao mesmo tempo despia dona Flor com o olhar demorado e ávido, arrancando-lhe vestido e combinação, corpinho e calçola. Nunca se sentiu tão nua dona Flor, aquela mirada a medir-lhe a curva da bunda, a rigidez dos seios, a rosa do ventre. De apreciativo, tornou-se o olhar aprovador, e o amável sorriso de cortesia abriu-se em satisfeito riso.
Tudo isso sem lhe largar a mão, tendo-a presa na sua enquanto a desvestia e julgava.
Sim, porque lhe avaliava ao mesmo tempo corpo e espírito, concluindo estar diante de presa fácil e segura. Com sua experiência de don-juan do interior, classificou dona Flor de fingida e bem fingida. Conhecia essas mulheres de aparência mansa: quase todas umas impostoras, umas enganadeiras, quando, na cama, diabos soltos, desembestados.
Nas pequenas cidades sertanejas, onde a mulher não tinha nenhum direito, serva circunscrita à vontade do marido, seu senhor, e aos limites do lar, seu Aluísio surpreendera por mais de uma vez, no fundo de uns olhos baixos e no escondido de uma discreta postura, ardente resposta a seu impúdico convite.
Ah!, essas águas mansas escondem tempestades; sob aparente decoro e a reserva do luto, em que tormenta interior não se debateria dona Flor, mulher jovem e sã?
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
EPISÓDIO Nº 153
Ao demais, dona Flor passara o dia praticamente em função do aniversário de seu Sampaio: em sua cozinha, e com a ajuda de Marilda, preparou o vatapá – um caldeirão – e a moqueca de peixe, uma delícia, enquanto dona Norma se ocupava com os demais quitutes. Assim, convencida, dona Flor compareceu. Antes não houvesse ido, teria evitado aborrecimentos.
Quando já estava a casa cheia, as mesas sendo servidas, dona Enaide chegou do Xame-Xame, trazendo uma bandeja de quindins, uma gravata para seu Sampaio e as desculpas do marido, que, aos sábados à noite, infalível parceiro em sua roda de póquer, recusava-se a qualquer outro compromisso. Em compensação, em sua companhia veio seu Aluísio, para muitos doutor Aluísio, o comentado rábula e notário das margens do rio São Francisco, o tal solteiro pela metade, por sua parenta proposto à mão de dona Flor.
Metido em fatiota nova em folha, de mescla escura e quente, todo pimpão, nariz adunco e forte, reluzente calva, olhos vivos e perscrutadores, envolto em água-de-colónia e em talco, manequim. Dona Enaide caprichou nas apresentações, orgulhosa do cunhado influente no sertão:
- Aluísio, quero apresentar-lhe dona Flores Guimarães, a viúva mais bonita da Bahia…
- Enaide, não brinque…
Curvava-se doutor Aluísio para beijar-lhe a mão, uma onda de perfume evolando-se no ar, envolvendo dona Flor:
- Minha senhora, este é um momento emocional em minha vida. Minha cunhada já me falara em carta a seu respeito, contando maravilhas… Vejo, no entanto, que ela ficou muito aquém do modelo; só um poeta para descrevê-la, senhora…
Ao mesmo tempo despia dona Flor com o olhar demorado e ávido, arrancando-lhe vestido e combinação, corpinho e calçola. Nunca se sentiu tão nua dona Flor, aquela mirada a medir-lhe a curva da bunda, a rigidez dos seios, a rosa do ventre. De apreciativo, tornou-se o olhar aprovador, e o amável sorriso de cortesia abriu-se em satisfeito riso.
Tudo isso sem lhe largar a mão, tendo-a presa na sua enquanto a desvestia e julgava.
Sim, porque lhe avaliava ao mesmo tempo corpo e espírito, concluindo estar diante de presa fácil e segura. Com sua experiência de don-juan do interior, classificou dona Flor de fingida e bem fingida. Conhecia essas mulheres de aparência mansa: quase todas umas impostoras, umas enganadeiras, quando, na cama, diabos soltos, desembestados.
Nas pequenas cidades sertanejas, onde a mulher não tinha nenhum direito, serva circunscrita à vontade do marido, seu senhor, e aos limites do lar, seu Aluísio surpreendera por mais de uma vez, no fundo de uns olhos baixos e no escondido de uma discreta postura, ardente resposta a seu impúdico convite.
Ah!, essas águas mansas escondem tempestades; sob aparente decoro e a reserva do luto, em que tormenta interior não se debateria dona Flor, mulher jovem e sã?
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