segunda-feira, junho 14, 2010

Entrevistas

Ficcionadas
com Jesus Cristo

Entrevista Nº29

Tema – Ofensa ou Dívidas

Raquel – Os nossos microfones estão instalados em Tabgha, a colina das sete fontes, junto de Cafarnaum. Foi Jesus Cristo que nos sugeriu este lugar. E por quê esta preferência?

Jesus – Recordações… Muitas vezes vinha aqui, de noite, rezar.

Raquel – Mas sendo o sendo o senhor o mesmíssimo Deus, rezar não seria falar consigo mesmo?

Jesus – Não sei o que dizes Raquel… Como vou falar comigo? Eu falava com Deus, pedia-lhe o pão de cada dia, pedia-lhe forças, dava-lhe graças e rezava-lhe para que interviesse a favor de um reino de justiça.

Raquel – Talvez seja indiscreta mas… podia partilhar com a nossa audiência alguma das suas orações?

Jesus – Por que não? Assim começava a minha oração preferida: abba, yitkadash shemaj, teté maljustaj, lajman delimjar…

Raquel – Desculpe a minha ignorância mas… em que língua me está falando?

Jesus – Em aramaico, a língua que falamos na Galileia.

Raquel – Poderia traduzir a sua oração?

Jesus – Diz assim: papá nosso, santificado seja o teu nome, venha a nós o teu reino, faça-se a tua vontade…

Raquel – Conheço essa oração! O senhor está rezando o Padre-Nosso com uma alteração: ouvi dizer papá…

Jesus – Sim, “,abbá”, papá…

Raquel – um excesso de confiança com Deus?

Jesus – Com Deus nunca sobra a confiança. Ele conhece-nos, quer-nos.

Raquel – Pois eu diria que essa é a oração mais famosa do mundo.

Jesus – Não me digas?

Raquel – Sim, é o best-seller das orações. Todos os dias milhões e milhões de pessoas em todo o mundo a rezam.

Jesus – Pois é uma boa notícia, Raquel. Se é assim, já não falarei dos usurários no mundo. Meu sonho se transformou em realidade.

Raquel – Desculpe, Jesus Cristo, mas de que está o senhor a falar…

Jesus – Da minha oração. Se tanto a rezaram já eliminaram as dívidas.

Raquel – Dívidas?... A que se refere?

Jesus – Àquilo que eu pedia na minha oração. Recorda, Raquel, como ela começa…

Raquel – Se eu me enganar o senhor corrija-me. Vejamos: “Padre-Nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome, venha a nós o vosso reino, faça-se a sua vontade aqui na terra como no céu …” Vou bem?

Jesus – Continua, continua.

Raquel – “Dai-nos hoje o pão nosso de cada dia…

Jesus – Continua…

Raquel – “E perdoa-nos as nossas ofensa assim como nós perdoamos a quem nos ofende…

Jesus – Não, não, não…

Raquel – Como não?

Jesus – Que eu não disse isso. Eu não falei de ofensas.

Raquel – Bem, de pecados que é o mesmo.

Jesus – Não, eu falei de dívidas.

Raquel – Dívidas com Deus?

Jesus – Dívidas para com o usurário.

Raquel – Mas…

Jesus – Dívidas de dinheiro, Raquel.

Raquel – Espere um momento. Temos uma chamada em linha…Sim, alô?

Liana – Fala Liana Cisceros, representante da campanha Jubileu 2.000. Quero felicitar Jesus Cristo e dizer à sua audiência que, com efeito, o Padre-Nosso foi adulterado. Essa oração deve-se a dívidas materiais!

Jesus – Vês que eu tinha razão, Raquel!

Raquel – O senhor disse que o Padre-Nosso foi adulterado?

Liana – Sim, como o café descafeinado. Tiraram-lhe a essência.

Raquel – E qual era a essência?

Liana – Jesus Cristo explicar-lhe-á melhor do que eu. Até à próxima.

Raquel – Obrigado Liana Cisneros. Jesus Cristo…

Jesus - Escuta, Raquel. No meu tempo os pobres ganhavam muito pouco e se endividavam para dar de comer à família. Tinham problemas com o dono das terras, com os credores, com os usurários… dívidas injustas que se tornavam eternas, que não podiam pagar nem em mil anos, num desespero e humilhação.

Raquel – Passava-se no seu tempo e passa-se agora.

Jesus – Eu não falei dessas dívidas. Eu pedia a Deus que esse jugo terminasse. Deus não nos perdoará antes que ponhamos fim às dívidas dos pobres.

Raquel – Talvez sem querer o senhor coloca-nos um tema de cadente actualidade. Porque há países ricos, que se dizem cristãos e não perdoam as suas dívidas aos países pobres
E há instituições internacionais que estrangulam os seus devedores.

Jesus – Pois te asseguro que não serão perdoados antes de anularem essas dívidas. Palavra de Deus.

Raquel – Louvamos-te! De Tabgha, próximo de Cafarnaum, Raquel Perez das Emissoras Latinas.



NOTA

- Jesus falava em aramaico que é uma língua semita do mesmo tronco linguístico que o hebreu Tem uma história de mais de 3.000 anos mas é ainda uma língua viva falada por cerca de 400.000 pessoas no Líbano, Síria, Turquia, Israel, Arménia, Geórgia…

O aramaico usava-se na Galileia e na Judeia como língua familiar cinco séculos antes de Jesus nascer sendo que o hebraico passou a ser a língua dos doutores da Lei e das Escrituras.

- Jesus rezava as orações do seu povo e do seu tempo mas o que nele chamava a atenção dos seus conterrâneos era a sua forma muito pessoal de falar com Deus à margem das leis litúrgicas.

Por exemplo, na oração do Padre-Nosso o que eles notavam é que Jesus chamava a Deus “abbá” papá, palavra muito familiar na língua aramaica: “abbá” e “Immá”, papá e mamã que são palavras dos primeiros balbucios das crianças e, para os conterrâneos de Jesus, isso era inconcebível, um desrespeito, que Jesus se dirigisse a Deus com tanta espontaneidade. Não foi encontrado em parte alguma da literatura das orações do judaísmo antigo um único exemplo em que se invoque Deus com o “abbá” pelo que os analistas da especialidade consideram que esta é, incontestavelmente, palavra dita por Jesus Cristo.

- Jesus conhecia de perto os abusos dos credores e usurários contra os pobres do seu país e denunciou-os. Em situações extremas os devedores desfaziam-se de todos os seus bens e vendiam-se a eles próprios entregando-se como escravos.

A propósito desta situação, diga-se que havia uma lei antiga, anterior ainda a Moisés, segundo a qual de 49 em 49 anos acontecia o Ano da Graça. Nesse ano, os escravos eram devolvidos à liberdade, as dívidas anuladas e as propriedades adquiridas devolvidas aos donos antigos tudo com a finalidade de evitar a acumulação da riqueza.

Mas havia, também outra lei, a Lei do Ano Sabático que devia cumprir-se em cada sete anos. O seu código exprimia-se assim:

- “Durante seis anos semearás a tua terra e colherás o seu produto. Ao sétimo ano, “Ano Sabático”, deixarás a terra em pousio e abandoná-la-ás. Os pobres do teu povo comerão e os animais do campo comerão o que restar. Farás do mesmo modo para a tua vinha e o teu olival.”

Esta lei tinha um carácter ecológico, em solos muitos deles pobres, para os deixar descansar mas este costume passou a ter um sentido religioso e social permitindo que todos os pobres pudessem entrar em qualquer campo e comer gratuitamente aquilo que a terra produzisse espontaneamente.

- Quando Jesus chegou á Sinagoga da Nazareth como pregador pegou no livro de Isaías, abriu-o precisamente na passagem que anunciava a chegada do Ano Santo para o povo e leu-o. Ao terminar fez-se um profundo silêncio, olhou para todos os presentes e disse:

“Cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura que acabais de ouvir”

Com esta frase Jesus quis dizer que passaríamos a viver o Ano Santo perpétuo, que assumiríamos o compromisso da solidariedade uns com os outros esforçando-nos para que ninguém sofra, se sinta angustiado ou submetido a
qualquer tipo de escravidão. Viveríamos um
Ano interminável de Graça, proposto por Deus.

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