segunda-feira, julho 26, 2010


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS


Episódio Nº 182



Assim foi a alegre festa de noivado. Nas voltas que o mundo dá, o doutor Teodoro veio parar nas ante-salas do leito de dona Flor, na fímbria de sua espera. Todo escabriado não tinha experiência de namoros e conquistas, seu trato mais íntimo com mulheres reduzindo-se ao encontro semanal com Otaviana. Se um dia o farmacêutico vira na rapariga a trêfega Tavinha Manemolência, recebendo ela então além da moeda sonante o agrado de uma palavra doce, com o passar do tempo aquele tráfico de sentimentos reduziu-se a um hábito de gentilezas e cordialidades, de confortáveis atenções, com doces e licor, conversa e cama, despido de galanteios e ternuras de namoro ou de xodó.

Na despedida novamente dona Flor ofereceu a face ao casto ósculo (ou medroso ou tímido, mas sobretudo acanhado) do prometido noivo. Mas sentiu o tremor de sua mão ao tocar-lhe os dedos húmidos. Pensou que o doutor Teodoro também queimava por dentro, igualzinho a ela.

Naquela noite dona Flor sonhou com ele e só com ele e o viu um gigante moreno, forte, invencível, o peito largo, um zarro, como dizia dona Gisa estalando a língua: vinha e a arrebatava.

Assim foram os esponsais de dona Flor. Pelas ruas em torno não se discutia outra coisa. Aliás, não era discussão e, sim, assentimento unânime. Não surgiu voz discordante, todos simpatizando com o noivado do boticário e da viúva, feitos um para o outro, na opinião geral.

Primeiro dona Flor estabeleceu um prazo de pelo menos meio ano para a data do casório. Foi essa uma das raras proposições discutidas pelo noivo. Por que tanto tempo? – quis saber doutor Teodoro, se não tinham enxoval a preparar, problemas a resolver? De acordo com ele estavam amigas e comadres e a própria dona Flor veio-lhe a dar razão, reduzindo a três meses aquele tempo de timidez, de sofreado anseio.

Três meses de bonança, quando foram se acostumando (facilmente) um com o outro e se deram bem, melhor a cada dia. Nesse período, nos serões de conversas longas, com a participação de dona Norma ou de outra amiga, decidiram sobre todos os detalhes da vida em comum a ser iniciada em breve.

Acertaram morar em casa de dona Flor, não só porque para o doutor Teodoro era cómodo, ficando a residência próxima à drogaria, como porque dona Flor se recusara, terminante, a encerrar as actividades da escola, como ele propusera. A farmácia lhe rendendo o bastante para viverem com modesto conforto – argumentou doutor Teodoro – por que manter aquela trabalheira?

Mas dona Flor acostumara-se e certamente não saberia viver sem as suas alunas, as turmas ruidosas, as risadas, os diplomas, o discurso e as lágrimas na formatura e um dinheiro seu. De maneira alguma nem falasse nisso.

No mais, tudo de acordo. Mesmo o leito de ferro, pelo qual ela sentia secreta estima, agradando-lhe sua forma antiga, e por cuja sorte temera – talvez não quisesse o doutor dormir na cama onde o primeiro esposo a possuíra tantas vezes – não foi motivo de debate. Quando, num balanço, estabeleceram a relação do que comprar para compor a casa a seu agrado (uma escrivaninha onde o farmacêutico tomasse suas notas e guardasse seus papéis, por exemplo, foram de peça a peça a examinar e decidir; chegando ao quarto ele propôs comprar novo colchão, estando o velho cheio de calombos, de altos e baixos. Existiam uns colchões de mola, novidade recente, magníficos. Ele mesmo tinha um mas de solteiro.

Quanto ao leito, não valeria a pena pintá-lo, já que iam pintar a casa e
certos móveis? E foi tudo.

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