terça-feira, agosto 17, 2010


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS


Episódio Nº 200


Aliás, devera-se a essa história de mudança de endereço o súbito regresso de dona Rozilda para Nazareth. Dona Flor, certa manhã, a interpelou:

- Mãe, que ideia é essa de dizer a Teodoro que eu quero me mudar? Fique sabendo, de uma vez por todas, que estamos, eu e ele, muito satisfeitos com nossa casa e não vamos nos mudar.

Dona Rozilda, esquecida de suas conveniências de grande dama, cuspiu para o lado num gesto reles:

- Que me importa? Cada porco em seu chiqueiro…

Dona Flor fez um esforço para conter-se:

- Ouça, mãe. Eu sei por que essa história da casa maior. A senhora quer é meter-se aqui para sempre, mas pode tirar isso da cabeça, eu não estou de acordo. Pode vir nos visitar quando quiser, passar uns dias. Mas morar com a gente, isso não. Lhe falo com franqueza: vosmicê, minha mãe, nasceu para morar sozinha… Vou lhe dizer…

Dona Rozilda saiu num repelão, sem querer ouvir o resto, aliás a parte agradável do discurso, pois dona Flor para compensar a mãe daquela rude franqueza, decidira estabelecer-lhe pequena mesada. “Dinheiro para seus alfinetes, minha mãe, para suas obras de caridade”, como pôde finalmente lhe comunicar, ao acompanhá-la ao cais da Bahiana, dias depois.

Falhara mais uma vez o plano de dona Rozilda de estabelecer-se com a filha, não a quisera antes, a viúva, não a queria agora, a recém-casada. Se na primeira tentativa, dona Rozilda demonstrara-se ofendida, rompendo praticamente suas relações com dona Flor, agora engolira a afronta, a tentação de nova vida da filha, com seu brilho de relações e saraus, era demasiado poderosa. Voltou para Nazareth, é bem verdade, mas amiudara suas visitas à capital. Hospedando-se naquele “cu-do-mundo”do Rio Vermelho, vinha logo cedo, antes do almoço, para a casa da filha, a futricar nas imediações, na chefia do bando das xeretas. Demorava-se oito, dez dias, o tempo de fazer-se insuportável, de brigar com a irmã, e lá se ia de novo infernar o filho e a nora no Recôncavo.

Em Nazareth, às suas diversas ocupações, somara a descrição do fausto social de dona Flor (vive em almoços e festas, íntima de dona Imaculada Taveira Pires) em loas ao genro doutor e a tudo quanto lhe correspondia, dos dotes de inteligência ao invejável estado de suas finanças, da presença digna ao inusitado fagote. Narrando com detalhes os ensaios semanais da orquestra de amadores, derretia-se em sorrisos, babada em comentários:

- Aquilo, sim, que é música…

Dizia-o para louvar as árias, as romanzas, os concertos de fino reportório, onde Haendel. Lehar e Strauss coexistiam com Othelo Araújo e com o maestro Agenor Gomes, compositores locais menos conhecidos mundo afora, mas não menos inspirados. Dizia-o também numa demonstração de desprezo pela outra música, a dos sambas e canções, das modinhas e do “Zé- povinho” – uma cusparada de desprezo – e pela gentalha dos violões e cavaquinhos, das gaitas e tamborins, caterva de vagabundos. Ao dizê-lo, estabelecia uma distância, marcava diferença entre a orquestra de amadores – à qual pertenciam doutor Venceslau Pires da Veiga, cirurgião eminente, doutor Pinho Pedreira, juiz da capital, e o milionário e comendador do Papa Adriano Pires – o Cavalo Pampa – dono da firma atacadista, com palacete na Graça, automóvel com chofer, marido da nobre Imaculada, “a que está antes da primeira, a primeiríssima, a opalina cúspide (na expressão feliz de Silvinho Lamenha, locutor de rádio e relator dos Sociais no jornal do temido vate Odorico Tavares), de dona Imaculada Taveira Pires, com sua cara de cavalo velho, seu lornhão e sua governanta Suiça – e os vagabundos em serenatas e desordens, bêbados de má vida.

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