sábado, setembro 11, 2010


DONA
FLOR

E SEUS
DOIS

MARIDOS

Episódio Nº 222

Buscando dominar as notas em fuga no instrumento, captar o som mais puro e ardente, vencendo as escalas da difícil melodia, já de todo calmo, sorri doutor Teodoro: afinal que lhe importava o modo certo ou falso como educasse dona Maria de Carmo sua filha indócil? Não era palmatória do mundo e seria idiota zangar-se com sua mulherzinha tão formosa e boa por tolas razões alheias. Evola-se o acorde justo, pulsa no ar, sozinho, harmonioso e puro.

Vinha dona Flor de outras músicas, mas não das altas notas clássicas de Bach e de Beethoven, das sinfonias e sonatas, como dona Gisa na meia-luz requintada do alemão. Vinha das melodias populares, das violas seresteiras, dos boémios cavaquinhos, das gaitas de riso cristalino. Devia agora ajustar-se à orquestra de amadores, à grave melodia dos oboés, dos trompetes, dos violoncelos aos acordes conspícuos do fagote. Tirar a cabeça daquelas outras músicas a faze-la desatenta, perdida em obscuros caminhos, no mistério das encruzilhadas. Devia sepultar nos ensaios do fagote, nas escalas da orquestra, as lembranças de melodias mortas, de um tempo extinto, do que foi e já não era.

O som do fagote vibra sobre as camisas do doutor.


Histórias de mulheres, somente duas. Pelo menos foram as que chegaram ao conhecimento de dona Flor. Ela, no entanto, punha a mão no fogo pelo marido, não acreditando noutro rabo de saia na vida do doutor.

Uma daquelas duas histórias, aliás, a que envolvia Mirtes Rocha de Araújo, a fogueteira carioca, não chegou a ser nada – apenas um quiproquó e uma decepção. Decepção certamente efémera, pois não era a audaciosa de perder tempo em lamentações: sacudiu os ombros, foi avante.

Casada com um funcionário do banco e tendo sido ele transferido para a Bahia, com melhor ordenado e posto, lastimou-se Mirtes junto da amigas íntimas, infeliz com esse exílio para uma cidade carente de atracções masculinas e sem a liberdade do Rio de Janeiro, onde ela conquistara alguma reputação em actividades de adultério. Com as horas livres e vazias, sem filhos e sem outros afazeres, dedicava seu tempo e sua natural aptidão à benfazeja brincadeira. Eram tardes agradáveis em companhia de benévolos rapazes de muita competência e cativante físico, sem correr nenhum perigo, tudo na mais discreta maciota.

Onde, na Bahia, obter a mesma qualidade masculina de um Serginho, por exemplo, “um suco”, e a confortável segurança do rendez-vous de dona Fausta?

Inês Vasques dos Santos, baiana orgulhosa do progresso de sua terra, sentiu-se ofendida com tanto desprezo, sua cidade relegada à condição de lugarejo onde não existisse sequer com quem trair o marido nem onde fazê-lo em segurança.

Por que insultava Mirtes a Bahia sem a conhecer? Afinal não era Salvador tão pequena aldeia nem de tamanho atraso…

Lá iniciara Inês sua plantação de chifres e podia afirmar com pleno conhecimento de causa, existirem condições propícias ao exercício da boa lavoura com seguro penhor de colheita farta. Discretíssimos castelos, bangalôs ocultos entre coqueiros em praias selvagens, com a brisa e o mar, um sonho. Quanto a rapazes, havia cada um!

Olhos cismarentos, a morder o lábio com os pequenos dentes, Inês Vasques dos Santos, pôs-se a recordar, quanta saudade! Sobretudo certo petulante capadócio, um perdido, um jogador, mas que espectáculo na hora da peleja, que andante cavalheiro!

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