terça-feira, setembro 21, 2010



DONA
FLOR
E SEUS
DOIS

MARIDOS

Episódio Nº 230



Ameaça só, minha comadre, qual é o homem que não tem suas desordens de mulher, que não põe chifres na esposa? Mas sentira muito, até emagrecera, e só agora começava a melhorar, pois o marido não só terminara com a sujeita como nem mais dormia em Juazeiro.

Dona Flor a consolou: quem não sofre essas contrariedades. Ela, dona Flor, ainda não há muito tivera o desprazer de uma descoberta a feri-la e a magoá-la.

- Também doutor andou prevaricando? Até ele? Bem eu disse a vosmicê que nenhum escapa de tropeço de mulher…

- Quem, Teodoro? Não, meu aborrecimento foi de outra coisa, diferente. Comadre Dionísia, Teodoro é a excepção que confirma a regra… É homem sério, por ele ponho a mão no fogo…

Dava-se conta de repente dona Flor, e quase o confessara a Dionísia, que, das duas histórias de mulher acontecidas com doutor Teodoro, a única concreta, com princípio e fim, e a única a feri-la e a magoá-la fundo, sucedera não com o segundo mas com o primeiro esposo.: aquela antiga história, só agora revelada, entre Inês Vasques dos Santos e o falecido.

Quando dona Flor se lembrava de Magnólia ou de Mirtes, logo a magra e sonsa Inês se erguia em sua frente, cadela hipócrita, marafona!


Duraram os ensaios da romanza cerca de seis meses até considerá-la em perfeitas condições de execução o exigente maestro, mais exigente ainda naquele caso: obra de sua autoria e dedicada à graça e à bondade de dona Flor, “Os Arrulhos de Florípedes” eram o seu ai-jesus.

Todos os sábados à tarde, com sol ou chuva, lá se reuniam eles a repetir acordes para o próximo concerto já com data e local.: daí a uma semana na residência de Taveira Pires.

Haviam transcorridos aqueles meses na paz do Senhor, sem incidentes de monta, dignos de especial registro, à excepção talvez da estreia de Marilda aos “microfones do povo, as da Rádio Amarelina, a Estação da Menina, a mais jovem e mais ouvida”, a movimentar a vizinhança, a comover a redondeza. Era como se todas aquelas ruas e becos estreassem pela voz da moça nos ares da cidade, tal a agitação e o nervosismo.

Dona Norma, capitã, comandava a turma da torcida, delegação ruidosa, presente à emissora na data festiva. Um rateio entre vizinhos recolhera apreciável maquia para uma lembrança: na mão de seu Samuel das Jóias – vendia jóias e quanta coisa houvesse nesse mundo: casimiras, tropicais, linhos, móveis, perfumes, tudo de contrabando e tudo de graça – obteve um amor de relógio de pulso, moderno e original, com seis meses de garantia. “Suíço, dezassete rubis, uma barateza” afirmava seu Samuel dando a impressão de vendê-lo apenas para fazer um favor à sua boa freguesa dona Norma.

À noite, seu Sampaio, a quem a compra excepcional fora exibida, constatou ter sido a esposa mais uma vez ludibriada pelo velho mascate, o que se dava há vinte anos e se daria até um dos dois bater as botas:

- E se for ela a morrer primeiro, é capaz na hora da agonia o velho Samuel lhe vender uma extrema-unção, de contrabando…

Nem suíço nem tão farto de rubis, fabricado em São Paulo mas nem por isso mau relógio, “é preciso acabar com essa mania de falar mal da indústria brasileira, tão boa como outra qualquer", concluía, nacionalista seu Zé
Sampaio.

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